Falta de acordo dificulta votação do Código

Após meses de vaivéns, debates e desacertos no Congresso, parte do governo reluta em votar hoje a reforma do Código Florestal no plenário da Câmara. A maioria dos líderes partidários pressiona por uma resolução imediata do assunto, mas o Ministério do Meio Ambiente, apoiado por PV, PSOL e parte do PT, além de ONGs ambientalistas, resiste à votação nesta semana.

Em reunião no Palácio do Planalto, o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, pediu ontem ao relator do novo código, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), "alguns ajustes" para garantir um avanço no consenso obtido até aqui. Sob orientação da presidente Dilma Rousseff, o ministro afirmou ser difícil aceitar a isenção de recompor a vegetação obrigatória (reserva legal) para áreas até quatro módulos fiscais (de 20 a 400 hectares, segundo a região do país). Também disse não ser possível transferir a Estados e municípios o poder de autorizar desmatamentos.

Aldo pediu mais tempo para rever parte de seu texto, mas insistiu em manter o tratamento diferenciado para áreas até quatro módulos. Os ministros Wagner Rossi (Agricultura), Afonso Florence (Desenvolvimento Agrário) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente) voltaram ao Congresso para costurar um novo acordo. A Casa Civil também mobilizou sua equipe técnica. O impasse estava instalado até as 21h de ontem. As negociações estavam previstas para ser estendidas até a madrugada. "Não precisa ser um ótimo acordo. O bom já resolve", disse um ministro. "Mas o governo teme abrir exceções com alguns pontos. Ocorre que as questões essenciais estão resolvidas".

Antes, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), resolveu colocar em votação o regime de urgência para o texto. O Palácio do Planalto pediu cautela. Mas o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), afirmou haver um acordo para votar o texto hoje.

A bancada ruralista e a Frente Ambientalista passaram o dia trabalhando nos bastidores do governo e do Congresso para fazer prevalecer seus interesses. Os ambientalistas não aceitam mu tratamento igual a produtores familiares com os demais. Também rejeitam a delegação de poderes aos Estados e municípios, não concordam com a isenção dos quatro módulos e buscam evitar deixar em aberto o prazo para regularização das propriedades em situação irregular.

Ao deixar reunião com Palocci na Casa Civil, a ex-senadora Marina Silva afirmou que o governo considera que Aldo Rebelo operou mudanças no texto sem consultar o Palácio e deixou espaço para ambiguidades no novo código. A exigência de 30 metros de mata ciliar (área de preservação permanente), por exemplo, poderia ser interpretada como exigência para apenas um lado dos cursos d'água. Marina afirmou que Palocci teria dito que "às vésperas da votação, dizer que tem 95% de acordo é o mesmo que dizer que está 100% em desacordo". Marina complementou: "Ou tem um acordo completo ou não tem". Nos bastidores, avalia-se que o governo endureceu o discurso. O fato de Palocci ter recebido Marina no Planalto, em companhia de ONGs, além de deixar que a ex-ministra fosse porta-voz da conversa, seria sinal de um "descontentamento" de Palocci com as alterações promovidas por Aldo Rebelo.

Em resposta, após sua reunião com Palocci, o relator Aldo Rebelo afirmou não haver divergências. "Examinamos o texto, vamos analisar as ponderações para ver o que é possível assimilar", disse. E rejeitou algumas acusações: "Não há possibilidade para que Estados e municípios autorizem desmatamento. Essa autorização continua sendo feita por uma lei federal", afirmou.

Aldo afirmou, ainda, que os ruralistas reclamam do Código "até com uma certa razão", já que "em nenhum país do mundo" existe reserva legal em propriedade privada. "O Greenpeace não reclama de reserva legal na Holanda, nos Estados Unidos ou na África. A mesma coisa em relação às APPs. As APPs na Austrália variam de 5 a 20 metros. A nossa menor APP é maior do que a maior APP da Austrália", rebateu.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2748.
Editoria: Política.
Página: A7.
Jornalistas: Mauro Zanatta e Paulo de Tarso Lyra, de Brasília.