Pela primeira vez em muitos anos "donos" da própria pauta de votação ao impor o debate do novo Código Florestal ao governo, os deputados aproveitaram as negociações sobre o polêmico texto para "mandar recados" e delimitar o raio de ação do Executivo no Congresso.
As discussões travadas ontem nos bastidores da Câmara mostraram as insatisfações dentro da base parlamentar do governo. No fim, e sem o desejado consenso, o Palácio do Planalto pediu aos aliados ruralistas, no início da noite, o adiamento da votação do novo código em plenário. Isso levou a aprovação de ao menos 12 emendas e destaques de plenário ao relatório de Aldo Rebelo (PCdoB-SP). "Não é uma derrota de quem quer votar nem vitória de quem quer adiar", justificou o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP).
Mas foi outra a versão dos aliados para evitar a primeira derrota do governo Dilma Rousseff no Congresso: "O governo pediu para adiar porque não tinha acordo e não queria ser derrotado com emendas de plenário", disse o deputado Odacir Zonta (PP-SC). "Mas isso é uma saída honrosa para os ambientalistas. Eles sabem que temos votos suficientes para aprovar o código".
Ao longo do dia, deputados aliados avisaram que, se houvesse orientação formal pela rejeição do relatório de Aldo Rebelo (PCdoB-SP), dariam o "troco" votando a favor. E por vários motivos. O primeiro é o corte de emendas para as bases nos Estados. Outro, a resistência do governo em liberar os chamados "restos a pagar" (sobras de orçamentos anteriores) e o descontentamento, sobretudo do PMDB, com as nomeações no segundo e terceiro escalões. O aviso já havia sido dado na noite anterior, quando 399 deputados aprovaram a tramitação do texto em regime de urgência.
Dono da maior bancada da Câmara, o PT enfrenta um racha interno. Boa parte dos 88 deputados quer aprovar o relatório Aldo Rebelo. Mas os parlamentares mais ligados à área urbana não admitem aprovar questões como a consolidação de áreas produtivas em mata ciliares (APPs) nem moratórias ou anistias para multas por desmatamento.
Nos bastidores, os parlamentares aliados avaliam que o governo entrou em campo tarde para tentar modificar o relatório Aldo Rebelo. Depois, tentou emplacar alterações apenas para poupar sua base ambientalista. No fim, acabou esbarrando no "recado" do chamado "baixo clero" parlamentar. Para apagar o "incêndio", o ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, foi ao Congresso para garantir a quitação dos "restos a pagar" em breve. "Foi feito numa hora equivocada [o adiamento]. Não pode parecer uma coisa vinculada a outra. O governo viu, na verdade, que ia sofrer uma enorme derrota aqui", disse o deputado Jerônimo Görgen (PP-RS). Horas mais tarde, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), rejeitou qualquer vinculação dos dois assuntos.
As hesitações do Palácio do Planalto ao longo dos debates na comissão especial do código obrigaram o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, a tentar um consenso impossível entre os interesses de ruralistas e ambientalistas. O PT passou longas horas reunido com o relator Aldo Rebelo. Os ambientalistas foram ao presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), pedir uma intervenção no processo. Saíram da reunião apenas com a recomendação de "procurar os líderes" para convencê-los a adiar a votação ou modificar o texto do relatório.
Inconformado com a iminente derrota no plenário, o Partido Verde recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para brecar a votação do novo código. O PV entrou com um mandado de segurança no STF para impedir a votação do projeto de lei do novo Código Florestal. O PV alegou que o presidente da Câmara não poderia ter colocado o texto para votação em sessão extraordinária. A posição de Marco Maia contraria a decisão de seu antecessor, Michel Temer (PMDB), atual vice-presidente da República, que estabeleceu, ainda em 2009, que nenhum projeto de lei ordinário que pudesse ser editado por medida provisória fosse apreciado em sessão extraordinária. A manobra do PV foi avaliada como "desespero" dos ambientalistas. Nos corredores do Congresso, dirigentes de ONGs ambientalistas reclamavam do governo e de colegas de outras agremiações pela falta de uma estratégia para evitar a votação do novo código. Sobrou até para a ex-senadora Marina Silva, criticada à boca pequena por ter deixado de atuar em um tema caro aos seus quase 20 milhões de eleitores na última campanha presidencial.
Veículo: Jornal Valor Econômica.
Edição: 2749.
Editoria: Política.
Página: A6.
Jornalistas: Mauro Zanatta e Caio Junqueira, de Brasília.