Votação da Emenda 29 ameaça governo

Os mesmos componentes políticos que levaram o governo da presidente Dilma Rousseff à derrota na votação do Código Florestal ameaçam novamente o Palácio do Planalto, agora, com o projeto de regulamentação da Emenda Constitucional 29, de financiamento dos gastos da saúde. Como o Código, esse não é um tema de divisão óbvia do Parlamento entre partidos governistas, de um lado, e oposicionistas, de outro. O PMDB, onde é grande a bancada de médicos e hospitais, lidera a base aliada para votar a emenda; no DEM e PSDB os parlamentares concordam que o assunto entre em pauta, mas um grupo teme que o governo emplaque a cobrança de mais impostos por intermédio desse projeto. O PT está dividido e o governo não tem posição clara, embora veja na Emenda 29 a oportunidade de recriar a CPMF (o imposto sobre o cheque derrubado pelo Congresso).

Aprovada em 2000, a emenda foi regulamentada em 2008. Ela estabelece os critérios mínimos de financiamento da saúde, por meio dos quais os Estados devem aplicar 12% da arrecadação no setor e os municípios 15%. Faltou, porém, definir a vinculação da União.

O texto aprovado prevê uma vinculação de acordo com a variação do PIB nominal. O governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contudo, apostava no ressurgimento da CPMF, agora rebatizada de Contribuição Social para a Saúde (CSS), incluída no projeto da Câmara. Ocorre que, para concluir a votação, falta votar uma emenda do DEM que exclui a alíquota de 0,1% da contribuição, a CSS/CPMF, da emenda.

Esta é a questão que provoca o impasse. Da forma como foi aprovada, a União conseguirá R$ 19 bilhões via CSS. No entanto, nem a base nem a oposição desejam aprovar como está, justamente por causa da nova contribuição. Querem, ao contrário, regulamentar a emenda de modo que valha apenas a variação do PIB nominal.

As bancadas que apoiam a emenda querem votar sem mais protelações. A um ano das eleições municipais, querem atender a uma reivindicação dos prefeitos que clamam por mais recursos para a saúde. Isso porque sem a definição clara da participação federal, o ônus tem recaído principalmente sobre os municípios, que têm de se desdobrar para atender à população.

"A saúde está como está porque a regulamentação da emenda não é aprovada pelos parlamentares. Os municípios estão gastando até 23% de sua receita, enquanto a maioria dos Estados não cumpre o percentual mínimo e a União sequer tem vinculação definida", diz Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), instituição que faz lobby no Congresso pela emenda sem preocupar-se com o novo imposto.

Na semana passada, na reunião do colégio de líderes da Câmara, o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), propôs que o projeto fosse colocado em pauta. Depois, o do PSDB, Duarte Nogueira (SP), e do DEM, ACM Neto (BA), foram na mesma linha, como o deputado Dr. Paulo César (PR-RJ), ligado ao setor da saúde, e a líder do PSB, Ana Arraes (PE). Na contramão, o líder do PT, Paulo Teixeira (SP), desconversou, e o do governo, Cândido Vaccarezza (SP), disse que o tema "está sendo tratado pelo governo".

Na verdade, Dilma e seu partido gostariam de aprovar o novo tributo, apesar do custo político do descumprimento de promessa de campanha, mas não mais vinculação de verbas orçamentárias da União.

Essa vinculação seria possível, também, por intermédio da ressurreição de uma medida aprovada em 2007, pelo Senado, igualmente em momento de pressão dos prefeitos da Confederação, depois derrubada na Câmara. Na ocasião, foi aprovado projeto do senador Tião Viana (PT-AC) que vinculou à saúde 10% da receita corrente líquida, o que daria hoje R$ 32,5 bilhões -71% a mais do que os R$ 19 bilhões da CSS/CPMF. Com a diferença de que tira do contribuinte o peso de mais um tributo e joga para a União a responsabilidade de encontrar uma fonte de recursos ou fazer corte de gastos. É tudo o que o Palácio não quer, tanto que à época promoveu a retirada da vinculação na Câmara. Hoje, os governistas ligados ao assunto quebram a cabeça em busca de uma solução.

"O Senado aprovou um aumento de despesas mas não disse a fonte de recursos. Por outro lado não está no horizonte retornar a criação da CSS, que é o que traria de fato mais recursos para a saúde. Uma alternativa séria ao debate não está na mesa hoje", disse ao Valor o deputado Pepe Vargas (PT-RS), relator do projeto aprovado na Câmara. No seu partido, porém, há quem defenda explicitamente a retomada do tributo. Caso do deputado Amauri Teixeira (PT-BA), ex-subsecretário de Saúde da Bahia, que em abril apresentou um projeto de lei complementar que cria uma CSS "diferenciada": cobrada das camadas mais ricas da população e podendo ser abatida do imposto de renda. Já o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disfarça a expectativa do governo com a volta da CPMF e abusa das generalidades, dizendo sempre que primeiro quer "melhorar a gestão" para depois "discutir com a sociedade" a "necessidade de mais recursos".

"Há um desejo da Casa em votar a regulamentação, se possível ainda neste mês, e sem a CSS", disse o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), que controla 79 deputados na Casa. O líder do bloco do PR, Lincoln Portela (MG), com 64 deputados, vai na mesma linha. "Temos que resolver isso, mas é complicado neste momento político colocar algo mais polêmico para ser votado."

Segundo o presidente da Frente Parlamentar da Saúde, Darcísio Perondi (PMDB-RS), o maior mérito do texto é especificar o que são ações e serviços de saúde. A seu ver, isso já inibe desvios, corrupção, e principalmente gastos com recursos da saúde para outras finalidades. Não há garantias, porém, que uma vez em votação, forças de pressão consigam seu propósito de instituir o novo imposto.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2771.
Editoria: Política.
Página: A8.
Jornalista: Caio Junqueira, de Brasília.