A redução da taxa de juro no Brasil exigirá uma mudança na renegociação das dívidas estaduais e municipais feita com a União, pois os custos financeiros previstos nos contratos – com juros que variam de 6% a 9%, mais a correção pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) – já superam as taxas cobradas pelo próprio mercado. O governo está ciente do problema e a presidente Dilma Rousseff já disse a interlocutores que aceita sentar à mesa com os governadores para negociar as novas condições contratuais, desde que a agenda também inclua outros temas.
Dilma quer também o fim da guerra fiscal entre os Estados, com aprovação da unificação das alíquotas interestaduais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), definir novos critérios para o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e um acordo sobre outros temas de interesse geral, como o Plano Nacional da Educação e a chamada PEC 300.
Como a mudança dos contratos de renegociação das dívidas implicará redução dos pagamentos mensais por parte dos Estados e municípios, Dilma deseja que os governos estaduais e as prefeituras se comprometam a aplicar a diferença em novos investimentos e não em gastos com o custeio da máquina. Ela quer que esse compromisso seja explicitado em lei, de acordo com as mesmas fontes.
Os senadores que lideram o movimento por condições financeiras mais favoráveis para Estados e municípios avaliam que não adianta mais apenas trocar o IGP-DI pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) como indexador dos contratos das dívidas estaduais e municipais renegociadas pela União.
A razão para isso é que os juros fixos previstos nos contratos (de 6%, 7,5% e 9% ao ano) já são maiores do que a taxa de juro real neutra prevista pelo mercado (5,5% ao ano) e, se acumulados com a variação do indexador, qualquer que seja ele, os custos financeiros dos contratos ultrapassam a taxa Selic.
A situação se torna ainda mais insustentável, de acordo com a mesma avaliação, se o Banco Central conseguir manter a taxa de juros em um dígito daqui para frente. "A situação econômica hoje é totalmente diferente daquela em que as dívidas foram renegociadas", diz o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). "Na época, as condições dos contratos eram favoráveis aos Estados e municípios. Hoje, a realidade mudou para melhor e tudo isso precisa ser revisto."
Lindbergh é autor de um projeto de lei que elimina o indexador e estabelece que os juros sejam iguais à Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP), hoje em 6% ao ano. Os senadores Eduardo Braga (AM) e Luiz Henrique (SC) apresentaram projeto, que foi subscrito por toda a bancada do PMDB no Senado, corrigindo os débitos pelo IPCA, mais juros de 2% ao ano.
"A manutenção dos atuais custos financeiros dos contratos é totalmente incompatível com o desejo da presidente Dilma de que o Brasil tenha uma taxa de juro próxima dos demais países do mundo", disse Henrique.
A palavra de ordem dos senadores passou a ser: "Nem renegociar, nem repactuar. Refazer!" O projeto do senador Lindbergh, por exemplo, determina que a União faça uma nova renegociação de todos os débitos dos Estados, internos e externos, existentes até 31 de dezembro de 2010 e dívidas junto à Caixa Econômica Federal até 31 de dezembro de 2012.
O projeto de lei 335, apresentado pelos senadores Henrique e Braga, autoriza um abatimento de 20% dos saldos das dívidas renegociadas, desde que os recursos sejam usados para investimentos. O projeto, que já tem parecer favorável da senadora Ana Amélia (PP-RS), poderá ser colocado em votação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado a qualquer momento.
Os projetos sobre mudanças nos contratos foram apresentados por senadores da própria base aliada da presidente Dilma. O presidente em exercício do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), disse que a mudança tem que ser imediata. "Se não mudar os Estados quebram", afirmou. Segundo Raupp, a proposta defendida por seu partido prevê a redução do custo financeiro para os Estados.
Para os governadores, o que interessa de imediato é a redução dos pagamentos mensais à União, que são obrigados a fazer por força dos contratos. Esses pagamentos variam de 11% a 13% da receita líquida real. "Ao mudar os termos dos contratos, estamos pensando na capacidade de pagamento dos Estados no longo prazo. Mas é preciso pensar também no curto prazo e dar um alívio aos governadores", disse Lindbergh.
Por isso, o projeto do senador petista prevê que os limites para os pagamentos mensais sejam reduzidos em dois pontos percentuais. O governo federal aceita discutir essa alternativa, de acordo com as fontes consultadas. Mas a presidente Dilma Rousseff não que quer esse alívio dos Estados seja transformado em mais gastos de custeio.
Para permitir a mudança nos contratos, o Congresso terá que alterar a lei complementar 101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em seu artigo 35, a LRF proíbe que a União faça novos refinanciamentos. As lideranças políticas consultadas consideram que isso será inevitável, mas advertem que a alteração do artigo 35 será a única alteração a ser feita.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2963.
Editoria: Brasil.
Página: A3.
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