A Câmara dos Deputados aprovou, na noite de ontem, o texto-base do novo Código Florestal. A versão do relator na Câmara, Paulo Piau (PMDB-MG), com 21 mudanças em relação ao substitutivo aprovado no Senado, foi defendida por ruralistas e pelo PMDB e aprovada por 274 votos a favor, 184 contra e duas abstenções. A votação dos 14 destaques acabou por volta das 21h30 da noite.
Durante as negociações para o Código, o governo deu sinais de que poderia vetar alguns artigos, principalmente o 62, que trata das APPs. Em encontro com Dilma na terça-feira, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) disse que ela ainda não havia fechado uma opinião se vetaria ou não o texto. "Ela aguarda os resultados, mas se houver uma votação por parte da Câmara que esteja em desacordo com o pensamento médio do governo pode ser quem ela venha para uma decisão nesse sentido", disse Maia.
O deputado Márcio Macêdo (PT-SE) conversou na segunda-feira com a presidente em um evento com governadores em Aracaju, que, segundo ele, deixou claro que não concordava com o relatório de Piau. "Ela disse que tinha consciência que não era um texto bom e que ela não concordava em anistiar desmatadores", disse Macêdo. A anistia aos desmatadores é o perdão dado a quem desmatou até 22 de julho de 2008. Esses produtores poderão recuperar suas áreas degradas sem pagar multas.
O governo não aceitava o parecer de Piau por achar que o texto beneficiava demais os produtores e, sem acordo, acabou derrotado. Até momentos antes da votação de ontem, líderes do governo tentavam convencer os parlamentares a rejeitar a versão de Piau e aprovar o texto do Senado na integralidade, em uma cruzada que já era dada como perdida. A derrota veio porque o PMDB, segunda maior bancada da Câmara, e os ruralistas entraram juntos para aprovar o relatório de Piau e derrotar, com sobras, o governo.
Antes da votação, o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), disse em seu discurso que iria entregar os votos do PMDB ao texto de Piau.
O líder do PT, Jilmar Tatto (SP), em seu discurso, tentou convencer os deputados a aprovar o texto do Senado, como queria o governo. "Queremos um crescimento sustentável. Por isso apoiamos o texto do Senado, conforme o acordo costurado no ano passado", disse.
Desde o início das discussões, na terça-feira, PT, PSOL e PV entraram em obstrução e pediam várias mudanças no texto do relator Paulo Piau (PMDB-MG), inclusive a definição das metragens das faixas de recuperação das APPs, a principal polêmica do texto. Não foi suficiente.
Durante todo o dia de ontem, parlamentares contrários ao relatório tentaram atrasar a votação apresentando requerimentos e questões de ordem para retirar o assunto de pauta. PV e PSOL entraram em obstrução alegando que o relator modificou a redação do parágrafo que rege as faixas de vegetação perto de cursos d'água em áreas urbanas, sem retirá-lo por completo, prática proibida pelo regimento do Congresso.
Deputados contrários ao relator disseram que ele só poderia suprimir artigos ou escolher o texto da Câmara, mas que Piau havia criado um novo texto, diferente dos aprovados anteriormente. Marco Maia disse que existe sim a possibilidade de o autor retirar trechos, desde que tenham sido incluídos no Senado.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que ainda vai avaliar com calma o resultado final do texto aprovado, mas que a insegurança jurídica do produtor continua. "Não ficou claro como ficará o dia a dia do produtor. O rito das multas também não está claro. Ele vai se cadastrar no CAR e se regularizar, mas e depois?", questionou.
A principal disputa ficou em torno do artigo 62, que define as Áreas de Preservação Permanentes (APPs). O governo queria a reintegração do artigo 62, que determina o funcionamento das APPs, do substitutivo do Senado ao relatório de Piau, mais duro com os produtores. Com o artigo de volta, seriam definidas as metragens para recuperação das Áreas de Preservação Permanentes (APP) de 15 metros a 100 metros, dependendo da largura do rio. O parágrafo foi retirado pelo relator, que deixou para os Estados decidirem como agir, por meio do Programa de Regularização Ambiental (PRA). O texto impõe à União o prazo de seis meses para elaborar e publicar as normas gerais do PRA, enquanto os Estados devem criar normas específicas.
Por questões regimentais que o impedem de criar novas redações, o relator não poderia definir as faixas de recuperação com metragens diferentes das já definidas no texto do Senado, um pedido constante de grupos de parlamentares. Por isso, ele preferiu suprimir o texto do Senado, que delimitava as faixas de recuperação e deixou o assunto para ser regulamentado no futuro.
Após o relator se mostrar irredutível em modificar seu texto, a disputa em torno das APPs começou na terça-feira, quando o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) afirmou que, segundo o regimento, o relator não poderia retirar alguns parágrafos do artigo 62 por eles terem sido aprovados tanto na Câmara quanto no Senado. "Um ponto que foi aprovado na Câmara e no Senado não poderia ser suprimido do texto. A tendência é o cumprimento do regimento da Casa. Não acho coerente retirar parte aprovada na Câmara e no Senado", disse Maia. Ele defendeu que um dos dois textos já aprovados deveriam ser citados no relatório de Piau.
Em um primeiro momento, o relator negou que fosse o mesmo artigo e disse que se Maia levasse o assunto para plenário, parlamentares também contestariam a interpretação do presidente. Ontem à tarde, porém, o relator disse que já sabia que a mesa da presidência apresentaria um requerimento para discutir o assunto e que manteria o texto do Senado. "Eu não concordo com a interpretação da mesa, mas como sei que vão apresentar uma questão de ordem sobre isso, vou adicionar o parágrafo do Senado ao meu texto", disse Piau.
Após a pressão de Maia ontem à tarde, Piau acabou trazendo de volta parágrafos do Senado, o 4º e 6º do artigo 62. O primeiro cria uma área de recomposição mínima de 15 metros para cursos d'água até 10 metros para todas as propriedades. Os valores de recomposição do texto do Senado para rios maiores que 10 metros, de 30 metros a 100 metros de recuperação, ficou de fora do relatório de Piau.
O parágrafo 4º aprovado no Senado diz que "para os imóveis rurais que possuam áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d'água naturais, com largura até 10 metros, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, independentemente do tamanho da propriedade, sendo obrigatória a recomposição das faixas marginais em 15 metros, contando da borda da calha do leito regular".
O artigo 6º protege o pequeno produtor, deixando que a área de APP recuperada possa ser somada à Reserva Legal (RL) para que o produtor não tenha que ocupar grande parte da sua terra com RL e APP. O texto do Senado diz que "aos proprietários e possuidores de imóveis rurais da agricultura familiar e dos que, em 22 de julho de 2008, detinham até 4 (quatro) módulos fiscais (…) é garantido que a exigência de recomposição, somadas as áreas das demais Áreas de Preservação Permanente do imóvel, não ultrapassará o limite da Reserva legal estabelecida para o respectivo imóvel".
Também foi retirado o artigo que exigia a adesão de produtores ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) em até cinco anos para o acesso ao crédito agrícola. Segundo o relator, o cadastro depende do governo, o que poderia prejudicar os produtores.
A reserva legal nos Estados da Amazônia Legal foi modificada. As unidades federativas com mais de 65% de área ocupada por unidades de conservação e terras indígenas as propriedades poderão reduzir sua reserva legal de 80% para até 50%. "Poucos Estados se beneficiarão disso", admitiu Piau.
Nos parágrafos 7º e 8º do inciso 5º do artigo 4, Piau retirou a redação "sem prejuízos aos limites estabelecidos pelo inciso I do caput deste artigo", que delimita as distâncias de reflorestamento das APP em áreas de inundação urbanas e rurais. Com a mudança na redação, o plano diretor e os Conselhos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente decidirão as faixas, sem precisar obedecer à regra dos 30 a 500 metros.
De lados opostos na discussão, as bancadas de PT e PMDB foram fiéis às recomendações das lideranças na votação em plenário. O PT teve apenas um voto (de 80) contra a orientação, que era de rejeitar o relatório de Piau. No PMDB, apenas três dos 74 deputados desobedeceram a orientação de votar a favor do relatório.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2995.
Editoria: Política.
Jornalistas: Tarso Veloso e Daniela Martins, de Brasília.