22 dias depois, cumprimento da lei da informação ainda carece de critérios

Há 22 dias em vigor, a Lei de Acesso à Informação (12.527) está sendo cumprida de forma desigual e interpretada com critérios distintos em diferentes áreas do governo federal. A nova legislação determina que qualquer informação solicitada por cidadãos, empresas e entidades da sociedade civil seja respondida no prazo de 20 dias pelas esferas do poder público – municipal, estadual ou federal.

No dia em que entrou em vigor, vários repórteres do Valor enviaram pelo menos 21 perguntas a diferentes órgãos e empresas públicas. Ontem, quando venceu o prazo legal para respostas, quatro desses questionamentos não haviam recebido nenhum tipo de retorno, o que representa um quinto da demanda. Entre as 17 respostas recebidas, caminhos diferentes foram apontados para as solicitações.

Em cinco casos, o órgão responsável pela demanda pediu uma prorrogação de dez dias para enviar a resposta – o que também está previsto na lei. Em três casos, a informação pedida foi apontada como "sigilosa" – e por isso seu acesso foi negado – e outras quatro perguntas foram respondidas em toda sua abrangência. Um dos questionamentos foi redirecionado de um órgão para outro, e a resposta elaborada pela área supostamente encarregada do assunto não correspondia à solicitação feita. Cabe recurso em vários casos.

Mesmo com os percalços, a lei já traz avanços. Entre as questões apresentadas pelo Valor, algumas tratavam de temas que já haviam sido apresentados às assessorias de imprensa dos órgãos responsáveis, mas cuja resposta havia sido negada à reportagem. Agora, com a vigência da lei, as questões foram respondidas através do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), gerenciado pela Controladoria-Geral da União (CGU).

Em contrapartida, ainda falta uniformidade entre os órgãos públicos. O Ministério das Cidades atendeu integralmente um questionamento sobre as 20 construtoras que mais conseguiram contratos para o Minha Casa, Minha Vida – em quantidade de projetos e em valor. O quadro com a resposta está na reportagem da página A3. Já o BNDES rejeitou pergunta semelhante sobre os 50 maiores beneficiários de seus desembolsos, com respectivos valores, desde 2008. A instituição respondeu que "essa informação está protegida pelo sigilo bancário imposto às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional".

Essa justificativa é uma das prerrogativas da lei, item bastante questionado por especialistas em transparência pública, que consideram "a interpretação do que é ou não sigilo algo subjetivo". "Temos um canal de interlocução com os ministérios e estamos monitorando o cumprimento da lei. É natural que haja desencontros, mas com o passar do tempo vai haver maior compreensão sobre o que estabelece a lei, já estamos procurando uniformizar alguns conceitos com as áreas do governo", argumenta Mário Vinícius Spinelli, secretário de prevenção da corrupção da CGU.

A ideia do pedido do jornal ao BNDES era mostrar o perfil das empresas que têm recebido mais recursos do banco federal desde o começo da crise internacional, deflagrada pela quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008. O BNDES informou que são públicas, disponíveis no seu site, apenas as informações referentes aos contratos assinados entre ele e seus clientes, nos casos de operações diretas (sem agente financeiro intermediário).

Segundo balanço realizado pela CGU, 7.794 solicitações foram enviadas através do e-SIC até as 17h30 de ontem. Dessas, 4.377 (56%) já tinham sido respondidas. A recordista, com 819 pedidos recebidos, é a Superintendência de Seguros Privados (Susep). Os números, no entanto, têm diferentes prazos de resposta e contemplam apenas o governo federal, sem considerar as esferas estaduais e municipais.

A Lei de Acesso à Informação não faz nenhum tipo de restrição aos assuntos, e também não proíbe que a informação obtida seja tornada pública pelo cidadão. O sigilo em relação a questões públicas deve ser tratado como exceção. Mas nem todo acesso à informação é garantido. Os contribuintes brasileiros vão continuar sem saber quais são as empresas que estão inadimplentes com os empréstimos subsidiados feitos pelo BNDES, a não ser que, de posse do nome da empresa ou de seu número no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), eles consultem, um a um, os Tribunais Superiores, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados.

Em resposta a um pedido da lista de inadimplentes, o banco federal respondeu que seus clientes estão protegidos pelo sigilo bancário, que protege qualquer cliente de um banco comercial, a não ser que a dívida já esteja em cobrança judicial. "Caso os contratos ainda não tenham sido objeto de cobrança em juízo, essa informação está protegida por sigilo bancário", foi a resposta do BNDES, acrescida da legislação que protege inadimplentes em negociação.

Outra demanda enviada pelo jornal, dessa vez ao Ministério do Desenvolvimento, registrou um problema diferente na resposta. O arquivo anexado ao e-mail estava corrompido, impossível de ser aberto, mesmo por técnicos da área de tecnologia do Valor.

Há três semanas, em seminário sobre a nova legislação em São Paulo, acadêmicos e integrantes de organizações não governamentais alertavam sobre a prestação de contas em arquivos digitais que precisam de licença para serem usados (PDFs, Word, Excel etc.) e formulários eletrônicos que demandam senhas dos usuários. "Isso é mais um impeditivo à transparência pública, uma medida excludente, uma vez que a pessoa precisa ter capacidade para comprar um software para acessar a informação a que tem direito", disse Caio Carneiro Magri, do Instituto Ethos.

Os jornalistas do Valor fizeram as perguntas usando o sistema da lei federal criado para os cidadãos, mas no cadastro se identificaram como jornalistas.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3023.
Editoria: Brasil.
Página:
Jornalistas: Carlos Giffoni, Luciano Máximo e Chico Santos, de São Paulo e do Rio.