A implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos é um momento decisivo para os cerca de 1,2 milhão de catadores de material reciclável que atuam no país. A ampliação da cadeia de reciclagem pode ser uma oportunidade de ouro para a regularização desses trabalhadores, que em grande parte atuam isoladamente, sem organização em cooperativas ou garantias trabalhistas.
No entanto, para Sebastião Carlos dos Santos, o Tião, presidente da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, é preciso ficar atento para os riscos dessa transição. "A previsão de fechamento de todos os lixões do país até 2014 pode piorar a situação da categoria", alerta. "O simples fechamento dessas áreas sem o amparo a essas pessoas será a exclusão da exclusão", diz.
No fechamento do Lixão de Gramacho, Tião explica que os cerca de 1,7 mil catadores que trabalhavam no local receberam R$ 14 mil de indenização cada um. Quinhentos deles serão empregados em uma usina de reciclagem que está sendo construída às margens da rodovia Washington Luiz, que liga o Rio de Janeiro à Petrópolis, na região serrana. "Quem não quis continuar na reciclagem está recebendo cursos de capacitação para trabalhar em outras áreas", explica o líder dos catadores.
Tião acredita que o caso do Aterro de Gramacho é um exemplo de como se pode conduzir o fechamento dos lixões sem piorar a situação de trabalhadores. Mas alerta que o modelo não pode ser único. "É preciso respeitar a realidade de cada local", diz.
O processo de fechamento dos lixões, no entanto, está atrasado em todo o país. Menos de 10% dos municípios apresentou seus planos para o fechamento dos aterros sanitários. Se contarmos os planos efetivamente aprovados, o número é menor. "Faltou vontade política dos municípios para priorizar esse problema em vez da disputa eleitoral", critica Luiz Henrique Silva, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis em Minas Gerais.
Independentemente do destino dos lixões, no entanto, os catadores têm uma série de reivindicações. Uma delas é que o recolhimento seja remunerado pelo serviço e não unicamente pelo valor do material recolhido. O pagamento pelo serviço de coleta diminuiria, por exemplo, o impacto das flutuações de preços do mercado internacional de matérias-primas.
Na crise internacional de 2008 e 2009, por exemplo, o quilo do plástico para reciclagem caiu de R$ 1 para R$ 0,60, e o da garrafa PET, de R$ 1,20 para R$ 0,35, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), provocando o fechamento de indústrias de reciclagem e de cooperativas. "O mercado não é organizado, por isso trabalhadores e cooperativas ficam à mercê da especulação das empresas, que usam a nossa mão de obra barata", reclama Silva.
Tião, por sua vez, acrescenta que cerca de 90% da matéria-prima reciclada passa pelos catadores. "O Brasil perde R$ 8 bilhões com desperdício de material reciclado."
A conta, afirma ele, não inclui os benefícios gerados ao longo da cadeia produtiva e o efeito sobre o emprego e a renda. "O trabalho dos catadores reduz enormemente o volume do lixo coletado pelas prefeituras e os trabalhadores precisam ser pagos por esse serviço."
O pagamento por esse serviço aos catadores está incluído no Projeto de Lei 792/07, que tramita no Congresso, e prevê a remuneração dos trabalhadores de recicláveis, organizados em cooperativas, que promovam melhorias ou manutenção de ecossistemas que geram serviços ambientais.
Segundo o Ministério das Cidades, a principal reivindicação da categoria é, a princípio, viável. "Experiências existentes de coleta seletiva no Brasil têm demonstrado que os catadores se viabilizam profissionalmente quando capacitados, organizados e estruturados fisicamente em associações e cooperativas e se forem remunerados por isso", avalia o ministério.
"Existem, no entanto, muitos obstáculos que impedem, prejudicam ou limitam o acesso dos catadores ao devido nível de organização necessário e aos meios para garantir e elevar os seus rendimentos", admite o ministério. "A exploração dos catadores pelos atravessadores, comerciantes e outros atores da estrutura das cadeias da reciclagem; a postura de empresas terceirizadas na coleta de lixo urbano; a relutância de algumas prefeituras na contratação de catadores ou cessão de uso e na localização das instalações de triagem; a discriminação a que os catadores são alvo por parte de moradores próximos a galpões – são alguns dos problemas enfrentados cotidianamente pelos catadores de materiais recicláveis."
Entre os projetos de inclusão social do setor, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades destaca a construção de 90 galpões em 64 municípios para atender cooperativas e associações. Foram liberados R$ 50 milhões do orçamento do Programa de Resíduos Sólidos Urbanos com essa finalidade. A Secretaria também lembra que a Lei da Política Nacional de Saneamento Básico coordenada pelo órgão permite a contratação de catadores sem licitação, como forma de estimular a categoria.
Os catadores também pedem um regime de incentivos para as cooperativas e para toda a cadeia de reciclagem de lixo. "O material reciclado acaba sofrendo bitributação", reclama Tião. "Isso é um dos fatores que tornam, por exemplo, o papel reciclado um material bem mais caro do que o papel virgem. Além disso, as cooperativas não podem ser tributadas com a mesma carga de uma empresa normal, porque estamos falando de uma categoria que é vulnerável do ponto de vista social."
O estabelecimento de uma cadeia de logística reversa também pode ser uma boa oportunidade de promover a inclusão social dos catadores. Silva conta que a categoria tem negociado junto ao governo a participação das cooperativas na regulamentação da atividade. "Temos de ser ouvidos. Historicamente, somos os responsáveis pela existência de uma cadeia de reciclagem no país", diz.
De acordo com o ministério, os catadores têm, por lei, prioridade na participação nas atividades de Coleta Seletiva e Logística Reversa.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3086.
Caderno Especial: Resíduos Sólidos.
Página: F3.
Jornalista: Carlos Vasconellos.