Era exatamente 1h36 da madrugada de 11 de março de 2010, quando o Congresso Nacional colocou um ponto final na Lei 12.305, após duas décadas de debate. "Foi um processo longo e difícil, tamanha a complexidade de se construir um marco legal que mexe com diferentes interesses e gera reflexos importantes em questões econômicas, ambientais e sociais", avalia José Valverde, assessor parlamentar que participou como coordenador técnico da versão final da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Tudo começou em 1989, com o Projeto de Lei 389 sobre resíduos dos serviços de saúde, apresentado no Senado. O assunto decolou nos preparativos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Naquele ano, o então deputado federal Fábio Feldman (PV-SP) apresentou o Projeto de Lei 03333, para instituir a Política Nacional de Resíduos Sólidos, arquivado mais tarde. Em 1998, um movimento parlamentar culminou com a criação de uma comissão especial tendo o deputado federal Emerson Kapaz (PPS-SP) como relator.
"Não houve evolução porque optou-se por um projeto de lei detalhista, que se mostrou inviável", conta Valverde, hoje presidente do Instituto Cidadania Ambiental. Ao mesmo tempo, diz ele, o governo insistia em reforçar a responsabilidade das indústrias pelos resíduos pós-consumo, dentro do princípio do "poluidor-pagador", que não teve receptividade do setor empresarial.
Em 2002, uma segunda comissão especial foi instituída sob a liderança do ex-deputado Ivo José (PT-MG), que também não prosperou devido a conflitos de interesses. Havia a oposição de setores produtivos descontentes, principalmente da indústria de recauchutagem de pneus, que importava resíduos para operar. O relatório apresentado pela comissão em 2006 foi engavetado.
Um ano depois, o assunto voltou à tona no Congresso Nacional, dentro de novos conceitos e de um ambiente político mais favorável. O Supremo Tribunal Federal havia decidido pela proibição da importação de pneus velhos e a iniciativa privada percebeu a necessidade de apoiar um marco nacional viável, diante das restrições que surgiam com a proliferação de diversas legislações estaduais e municipais.
Em 2007, formou-se um grupo de trabalho parlamentar sob coordenação do deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP), que prosperou inspirado no Projeto de Lei 1991, enviado naquele ano pelo Executivo. Entre as novidades, estavam o conceito de logística reversa do lixo reciclável para retorno às indústrias como matéria-prima, o viés social com a participação das cooperativas de catadores e a obrigatoriedade do planejamento do setor público sobre resíduos. "Depois foi agregado o conceito-chave de responsabilidade compartilhada em lugar do princípio do poluidor-pagador, superando o entrave que afastava o setor produtivo", explica Valverde.
Apesar do alto grau de consenso, até o último instante o projeto foi alvo de reivindicações. Uma delas diz respeito à incineração para gerar energia, que é combatida pelas cooperativas de catadores, mas defendida por empresas de tratamento de resíduos, e acabou incluída como possível método para a reciclagem dentro de uma lista que prevê outras prioridades, a começar pela não geração de lixo.
A lei diferenciou "resíduo" de "rejeito" para especificar que apenas o lixo não reciclável pode ser levado para aterros, iniciativa que recebeu críticas por parte das empresas que operam essas áreas de despejo. Em outro ponto, a proposta inicial priorizava o uso de material reciclado nas embalagens, mas os fabricantes levantaram riscos de perda de competitividade e o item foi extraído do texto final.
Já a obrigação da logística reversa, que entraria em vigor após a sanção da lei, passou a ter prazos definidos posteriormente, a partir dos "acordos setoriais". As propostas são convocadas pelo governo em editais e submetidas à aprovação do Comitê da Logística Reversa, criado pelo Decreto 7.404/2010, que regulamentou a lei e estabeleceu as normas para aplicá-la na prática. O acordo setorial para a reciclagem de embalagens de óleos lubrificantes será o primeiro a ser assinado este ano, segundo previsão do Ministério do Meio Ambiente. O setor de lâmpadas, com edital já lançado, deverá ser o próximo. Já o retorno obrigatório das embalagens em geral começa a valer no próximo ano.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3086.
Caderno Especial: Resíduos Sólidos.
Página: F2.
Jornalista: Sergio Adeodato.