No cenário da economia verde, gerir resíduos deixa de ser um problema restrito ao poder municipal e entra para a agenda das empresas como item essencial à sustentabilidade dos negócios. Dois anos após a promulgação da Lei 12.305, em agosto de 2010, que obriga a logística reversa e o fim dos lixões até 2014, setores da indústria e varejo, cooperativas de catadores e prefeituras se movimentam para mudar a realidade do lixo urbano no país. "Neste momento, é importante sermos pragmáticos para achar modelos viáveis de gestão, avaliar tecnologias e definir como fechar as contas", afirmou na sexta-feira a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, durante o seminário "Política Nacional de Resíduos Sólidos: A Lei na Prática", no Jardim Botânico, Rio de Janeiro.
Realizado pelo Valor em parceria com a Ambev e o Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), o evento debateu as mudanças na gestão, tendências de mercado e os desafios para que o novo marco legal saia do papel e efetivamente gere ganhos econômicos, sociais e ambientais. De acordo com a ministra, "o foco do governo não é controlar para se fazer do jeito que ele quer, mas promover a busca de novos caminhos e soluções". A reciclagem de resíduos, segundo ela, "não é trivial". "É cômodo falar no tema e permanecermos reciclando apenas 1% dos resíduos, como em São Paulo e no Rio de Janeiro", lamentou a ministra.
Entre os principais desafios, na análise de Izabella Teixeira, está "definir um modelo de logística que considere as diferenças regionais do país e as leis do mercado". Ela reconhece a existência de "nós que precisarão ser desatados" para fazer funcionar a coleta seletiva nas cidades e o aproveitamento industrial dos materiais recicláveis em maior escala.
A discussão de tarifas e incentivos, expansão de cooperativas e tecnologias, como a possibilidade da incineração de resíduos para gerar energia, são alguns pontos. A reciclagem total, para a ministra, é "uma utopia", mas há motivos para otimismo: recente pesquisa realizada pelo Ministério do Meio Ambiente indica que a nova classe média brasileira já incorpora as informações sobre reciclagem, apesar de hoje 52% da população ainda não separar o lixo nas residências. De acordo com o estudo citado pela ministra no seminário, 86% dos brasileiros estão dispostos a adotar essa prática – e não o fazem por falta de informação ou de coleta seletiva municipal.
"A nova lei traz princípios inovadores, já é uma realidade nas ações empresariais, como a responsabilidade compartilhada na gestão dos resíduos", ressaltou Victor Bicca, presidente do Cempre, na abertura do evento. "O diálogo tem sido a chave essencial para se construir um modelo brasileiro para o setor, com o desafio de estruturar o parque industrial de reciclagem e agregar valor ao produto reciclado."
Os municípios se engajam no processo, segundo constatou a Pesquisa Ciclosoft sobre a coleta seletiva nas cidades, divulgada pelo Cempre no seminário. Após a nova lei, o número de prefeituras com o serviço cresceu 73%. O custo da logística para se recolher resíduos recicláveis ainda é alto, 4,5 vezes superior ao da coleta convencional, mas no passado chegou a dez vezes. "A tendência é que diminua, por meio da racionalização da coleta, transporte de mais resíduos por quilometragem, e novos arranjos e parcerias locais", explica André Vilhena, diretor-executivo do Cempre.
A prefeitura de Natal (RN), por exemplo, reduziu custos e aumentou a coleta seletiva ao contratar cooperativas de catadores para a prestação do serviço. "Transferimos para esses trabalhadores os valores anteriormente pagos a empresas terceirizadas", informa Heverthon Rocha, gerente de resíduos sólidos da cidade. Por meio de contrato com cooperativas, a remuneração atual é de R$ 0,05 por domicílio visitado, o que hoje totaliza, somando outros pagamentos, R$ 48,7 mil mensais – valor que se soma à renda dos cooperados com a comercialização dos materiais recicláveis.
"Se fizemos em Natal, por que não no Rio de Janeiro e em São Paulo?", sugere Severino Lima Júnior, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), no Rio Grande do Norte. "Coleta seletiva não é custo, mas investimento que reduz gastos com aterros", argumenta Lima. Catador que quando criança vendia picolé no lixão, Lima tornou-se liderança da categoria em nível nacional, e viajou recentemente para conhecer a experiência de reciclagem em países da Europa e Ásia. "A expectativa, nos preparativos da capital potiguar como sede da Copa do Mundo da Fifa, é que o modelo coleta alcance independência política", diz Lima.
Já em Linhares (ES), o arranjo local teve como chave a parceria com a iniciativa privada, que mobilizou poder público, catadores e ONGs. "Investimos na construção de uma central de triagem mecanizada, em terreno cedido pela prefeitura", conta Fabiano Rangel, gerente de sustentabilidade da SABB Coca-Cola. Os custos de manutenção e benefícios sociais são cobertos pelo município, mas o plano é a nova central, com capacidade de processar 160 toneladas mensais, tornar-se autossuficiente em dois anos. "Queremos serviço sem assistencialismo", diz Roberto Laureano, coordenador nacional do MNCR, que contabiliza 20 mil catadores em processo de organização no país.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3086.
Caderno Especial: Resíduos Sólidos.
Página: F1.
Jornalista: Sergio Adeodato.