Diagnóstico do descaso

A pior unidade prisional de Santa Catarina fica em Blumenau. A constatação é do próprio Departamento de Administração Prisional (Deap) e do Tribunal de Justiça do Estado. Em outubro, durante o Mutirão Carcerário, representantes de ambas as instituições apontaram a situação precária do presídio blumenauense. Se o epicentro da crise que envolve a segurança pública está na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis, partiu da unidade prisional blumenauense a mais clara manifestação de apoio à facção criminosa que ordena atentados de dentro das celas. Presos daqui fizeram greve de fome em desagravo aos detentos da Capital, que alegavam maus-tratos. O presídio também foi alvo de um dos primeiros atentados da semana, quando dois rapazes atiraram na porta da frente. Presos em seguida, os jovens disseram ter sido coagidos a atacar para não serem mortos por criminosos a quem deviam. A seguir, Conselho da Comunidade, Ministério Público, Justiça e polícias fazem um diagnóstico de cinco aspectos que tornam o presídio um verdadeiro caos.

INFRAESTRUTURA

A estrutura física do Presídio Regional de Blumenau é conhecida por diversos processos de ampliação pelos quais passou. Para se ter ideia, o espaço tinha 150 vagas em 2003 e hoje tem 450. Com os "remendos", a área para abrigar os detentos aumentou, mas os problemas também cresceram. Vazamentos nas celas, espaços reduzidos e um cheiro insuportável foram citados como agravantes.

– As instalações físicas são o principal problema. Celas cheias e sem estrutura suficiente. Falta higiene, eles dormem em colchões no chão. O que ocorreu é que foram sendo construídos puxadinhos e se esqueceu de itens como limpeza e higiene nas celas – conta o presidente do Conselho da Comunidade do presídio, Rômulo Andrigo de Carvalho.

PRECARIEDADE

Diretor do Departamento de Administração Prisional (Deap) de Santa Catarina, Leandro Soares Lima admite que a estrutura desfavorece agentes e detentos. Segundo ele, a arquitetura precisa ser modernizada, a exemplo do Complexo Penitenciário da Canhanduba, em Itajaí.

– Nas novas unidades, o controle é aéreo, feito por cima das grades. Há segurança para as duas partes – explica o gestor.

No relatório do Mutirão Carcerário do Tribunal de Justiça (TJ), promovido em setembro e outubro, as condições físicas do espaço também foram observadas:

"A salubridade é prejudicada. Há reeducandos sem cama e toda a instalação é precária. Há infiltrações e as instalações elétricas são precárias", descreve no documento o juiz auxiliar da presidência Júlio César Machado de Melo.

EFETIVO

Problema antigo, a falta de agentes prisionais só se agrava em Blumenau e afeta a vida dos servidores, detentos e familiares.

– O presídio tem um número baixíssimo de agentes. Por isso, alguns deles precisam trabalhar por mais tempo do que o normal – afirma o presidente do Conselho da Comunidade do presídio, Rômulo Andrigo de Carvalho.

Conforme consta do relatório do Mutirão Carcerário do TJ, a unidade tem 40 vigilantes, 38 agentes prisionais e 18 policiais militares. Este efetivo, no entanto, é dividido em equipes de plantão. O presídio não informou quantos profissionais trabalham a cada turno.

– Admito que falta pessoal. Mas Blumenau tem o reforço de seis a 10 profissionais de outros presídios do Estado – diz o diretor do Deap, Leandro Soares Lima.

Está previsto até o fim deste ano o lançamento do edital que irá contratar novos agentes para trabalhar nas unidades prisionais de Santa Catarina. Ainda não está confirmado o número que será enviado para cada parte do Estado.

RESSOCIALIZAÇÃO

A falta de estrutura e a superlotação influenciam diretamente na incapacidade da unidade em ressocializar detentos. Atualmente, no regime semiaberto e na ala feminina, empresas oferecerem trabalho aos detentos. No regime fechado, porém, nada de útil para o preso se ocupar. Coordenador da Comissão de Segurança da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção Blumenau, Honório Nichelatti Júnior conta que a Hering conquistou um prêmio nacional pelo trabalho com presos em uma penitenciária goiana. Aqui, cidade de origem da têxtil, isso não acontece.

– O presídio não tem espaço suficiente para fazer isso – argumenta Júnior.

Assim, o detento sai da unidade sem qualquer qualificação para atuar no mercado de trabalho. Para a promotoria da Vara de Execução Penal, quanto menos oportunidade dentro da unidade o preso tiver, mais dificuldade terá de encontrar um trabalho quando voltar à sociedade. Se estiver ocupado, destaca a Promotoria, menor é a chance dele cogitar voltar ao crime.

TRABALHO

O relatório do Mutirão Carcerário aponta que não há biblioteca no Presídio Regional de Blumenau e que apenas 5% dos detentos participam de atividades educativas. Além disso, dos 800 detentos, só 207 deles trabalham.

– É fato que nas unidades onde há trabalho para os presos, temos muito menos problemas. Só acredito na ressocialização que inicia pela reabilitação econômica do detento – reconhece o diretor do Deap, Leandro Soares Lima.

SUPERLOTAÇÃO

Inaugurado no começo da década de 1990, o Presídio Regional de Blumenau chegou ao ano de 2003 com espaço para 150 detentos. No entanto, abrigava 277 pessoas, o que já era considerado na época superlotação. Passados quase 10 anos, a unidade tem capacidade para abrigar 472 presos, mas comporta atualmente 800. Neste ano, segundo a promotoria de Execução Penal, a unidade chegou a ter mil detentos. Com o Mutirão Carcerário promovido pelo Tribunal de Justiça em outubro, 98 detentos conseguiram alvará de soltura pela revisão de penas. Mesmo assim, o problema persiste. Em algumas celas, os presos ficam amontoados porque o número de pessoas no cômodo é o dobro do recomendado. Outro fator que agrava a superlotação em Blumenau é a presença de presos condenados, que já deveriam estar em penitenciárias.

Há alguns anos, a Justiça determinou que nenhum preso entrasse mais na unidade caso extrapolasse o número determinado pela corregedoria. Com isso, celas da Central de Polícia e delegacias também superlotaram. Atualmente, a Polícia Civil sente o reflexo da superlotação na reincidência dos detentos.

– Muitas pessoas são presas pelas nossas equipes e, em alguns casos, no mesmo dia estão de volta à rua. Mesmo com prisões em flagrante, eles são soltos devido à superlotação – reclama o delegado coordenador da Central de Polícia e da Divisão de Investigações Criminais (DIC), Bruno Effori.

REVEZAMENTO

No relatório do Mutirão Carcerário deste ano, assinado pelo pelo juiz auxiliar da presidência do TJ, Júlio César Machado de Melo, "os detentos afirmaram que fazem revezamento para dormir e até para sentar. Informaram, ainda, que alguns chegam a dormir no vaso sanitário, o qual denominam como "boi". Nos contêineres, uma das celas abriga 26 presos. Destes, apenas cinco dormem em camas com colchão. Os demais ficam apenas em colchões.

FACÇÕES

O Ministério Público e Polícia Civil confirmam a existência de grupos criminosos organizados dentro da unidade de Blumenau. A presença dos integrantes do Primeiro Grupo Catarinense (PGC) no presídio dificulta o trabalho da polícia, diante da proliferação dos integrantes do grupo, que recrutam novos participantes dentro da própria unidade. Como regra, o comando determina que uma vez dentro do grupo, a pessoa não pode mais sair.

– Temos a confirmação desses grupos em Blumenau. Fizemos um organograma que mostra como agem os integrantes na cidade. A maioria deles está dentro do próprio presídio – explica o delegado coordenador da Central de Polícia e da Divisão de Investigações Criminais (DIC) de Blumenau, Bruno Effori.

Quinta-feira, o Estado reconheceu que o PGC está por trás dos ataques em Santa Catarina. Em Blumenau, os dois suspeitos presos terça-feira após atirar contra o presídio, na manhã seguinte à queima de um ônibus na Ponta Aguda, receberam ordens de dentro da unidade para fazer os disparos. Como tinham dívidas de drogas, disseram à PM que receberam ameaça de morte, caso não cometessem o atentado.

RECRUTAS

Para a promotoria da Vara de Execução Penal de Blumenau, o problema da existência desses grupos consiste no uso de detentos que muitas vezes cometeram o primeiro crime e são recrutados para atuar na facção criminosa. Diretor do Presídio Regional de Blumenau, Elenilton Ferreira Fernandes não quis falar ao Santa sobre a situação da unidade e se há grupos criminosos inseridos no presídio.

Veículo: Jornal de Santa Catarina.
Edição: 12690.
Editoria: Segurança.
Página: 30.
Jornalista: Ânderson Silva (anderson.silva@santa.com.br).