Mudanças na divisão dos royalties podem tirar R$ 500 milhões do Fundo Clima

O polêmico projeto de lei que muda a distribuição da renda do petróleo, que a Câmara votou na semana passada e agora aguarda sanção presidencial, tem controvérsias além do destino dos royalties e da participação especial – ameaça o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. São perto de R$ 500 milhões, somando a carteira dos últimos dois anos, destinados a iniciativas que reduzam a emissão de gases-estufa ou que ajudem na adaptação aos impactos da mudança do clima.

Até a votação na Câmara, a principal fonte de recursos do Fundo Clima era a participação especial do petróleo. Recebeu 230 milhões em 2010 e a mesma quantia em 2011, a maior parte desta soma destinada a projetos com recursos reembolsáveis sob gestão do BNDES. Este desenho estava previsto no artigo 50 da lei 9.478/97, a que dispõe sobre a política energética.

Por este artigo, 10% do bolo de recursos da chamada participação especial (gerados quando há grande volume de produção de petróleo ou alta rentabilidade) eram carimbados ao Ministério do Meio Ambiente. Por seu turno, 60% destes valores tinham que ser destinados ao Fundo Clima, segundo a lei 12.114, de 2009. O restante migraria para outro fundo, do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), previsto em um projeto de lei ainda em discussão no Congresso.

Os 60%, por sua vez, deveriam ser destinados a projetos relacionados com a preservação e a recuperação de danos causados pelas atividades da indústria do petróleo. Iriam para projetos de combate à desertificação, de transporte coletivo menos poluente, energias renováveis e até em estudos de quanto custaria para o Brasil se adaptar aos impactos da mudança climática. Também seria alimentado por dotações do Orçamento da União, recursos de órgãos da administração pública federal, estadual ou municipal e doações de entidades nacionais e internacionais – mas verba destas outras fontes nunca apareceu.

O projeto que aguarda sanção presidencial modificou o artigo 50 da lei do petróleo eliminando a destinação específica de 10% ao MMA. Foi substituída por uma redação fluida, com a possibilidade de recursos para clima surgirem para Estados ou municípios ou via o Fundo Social do Pré-Sal. Agora os recursos serão disputados com iniciativas na educação, infraestrutura, saúde, segurança, erradicação da miséria, cultura, esporte, pesquisa, ciência e tecnologia e defesa civil. Um dos parágrafos lista todas estas áreas e menciona, na última linha, "meio ambiente, programas voltados para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas e para o tratamento e reinserção social de dependentes químicos."

"O Fundo Clima não foi expressamente extinto mas o foi tacitamente", interpreta Fernanda Viana de Carvalho, coordenadora de políticas de clima da ONG The Nature Conservancy – Brasil (TNC). "O recurso para clima compete agora com muitas outras áreas que o governo irá priorizar. Se sobrar algo, será pouco e não terá expressão na enorme agenda da adaptação à mudança do clima", diz a conselheira da sociedade civil no comitê gestor do Fundo Clima, seu órgão de governança. A secretaria-executiva do comitê gestor é do MMA.

O Fundo Clima foi criado em 2009, na gestão do ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, e começou a operar em 2011. Em seu desenho havia uma lógica: o Brasil exploraria as promissoras jazidas do Pré-Sal, mas o combustível fóssil também financiaria os danos que sua queima causa ao clima. A Noruega faz assim – o país é um grande produtor de petróleo e o maior doador de recursos do Fundo Amazônia que procura investir em projetos que desenvolvam a região de modo sustentável. "O Fundo está há dois anos tentando se consolidar, este tipo de coisas leva tempo, mas agora sofre este golpe", prossegue Fernanda, lembrando que o Brasil tem metas de redução de emissões e um plano nacional de adaptação às mudanças climáticas a ser deflagrado. "O Fundo Clima era muito importante para estas questões."

Estas mudanças, no entendimento de Carlos Rittl, coordenador do programa de mudanças climáticas e energia do WWF Brasil, significam "que o que era política de Estado passa a ser uma decisão de governo", diz. "Ações fundamentais em áreas críticas, como o combate à desertificação no semiárido nordestino, são apoiadas pelo Fundo Clima e estariam seriamente ameaçadas agora", exemplifica Rittl. "Educação é um dos grandes desafios do país, mas o Brasil também é muito vulnerável à mudança do clima", pondera.

Durante uma semana, o Valor procurou o Ministério do Meio Ambiente para saber a avaliação do órgão sobre o impacto do que foi votado na Câmara e qual a estratégia a seguir. O MMA preferiu não se posicionar a respeito.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3135.
Editoria: Política.
Página: A9.
Jornalista: Daniela Chiaretto, de São Paulo.