Dilma sinaliza que pode voltar a negociar royalties

Sob pressão dos Estados não produtores de petróleo para colocar em votação o veto da presidente Dilma Rousseff à redistribuição da arrecadação atual com royalties e participações especiais, hoje concentrada no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), cancelou ontem reuniões que teria com governadores e líderes para discutir o assunto. Segundo aliados, Sarney recebeu telefonema de Dilma pedindo para ele adiar as conversas e, consequentemente, a decisão.

Na prática, o que deve acontecer no Congresso é uma renegociação em torno do assunto. O líder do PT na Câmara dos Deputados, Jilmar Tatto (PT-SP), afirmou ontem ao Valor que o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) será relator da medida provisória editada por Dilma destinando os royalties futuros do petróleo à educação e mudando a distribuição dos campos licitados pelo modelo de concessão com contratos ainda não assinados.

"Vamos trabalhar de novo com a ideia de uma proposta que unifique o Brasil. E que não será tudo que os não produtores querem, mas também não será tudo que o Espírito Santo e o Rio de Janeiro querem", afirmou Zarattini ao Valor.

Segundo o futuro relator – ainda não oficializado, já que a comissão mista nem foi criada -, a intenção é "tentar um meio de campo que garanta a receita do Rio de Janeiro e do Espírito Santo por um período [a ser negociado] e que distribua, entre os demais, mais rapidamente do que a MP propõe os recursos que forem acrescentados a cada ano".

Dessa forma, Zarattini acredita que será atendido o anseio dos governadores e dos parlamentares dos Estados não produtores, sem prejudicar a receita do Rio e do Espírito Santo. Esses são os dois maiores Estados produtores, que hoje, segundo o senador Wellington Dias (PT-PI), concentram cerca de 80% da receita destinada aos entes da federação, excluída a parte da União.

O líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE) – ele próprio representante de um dos Estados interessados na derrubada do veto -, confirmou que a intenção dos governistas é buscar um "entendimento" por meio da MP. "Temos condições de buscar um ponto de equilíbrio nessa questão", disse.

Sarney, segundo definição de um aliado, está numa "sinuca de bico". Seu mandato termina no começo de fevereiro, quando o sucessor será eleito. E os trabalhos legislativos desse ano terminam em 22 de dezembro. Arrumar confusão com a presidente a poucos dias do fim do seu mandato não lhe interessaria.

Ele tem dito que a decisão de convocar sessão do Congresso não pode ser "solitária" e tem que consultar o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), e os líderes das duas Casas, por se tratar de assunto tão grave. Costuma lembrar que, em 2011, chegou a marcar votação do veto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à chamada "Emenda Ibsen", que fazia distribuição dos recursos resultante da exploração de todo petróleo do mar entre os Estados e municípios pelos fundos de participação (FPE e FPM).

A votação só não ocorreu porque houve acordo para que se buscasse entendimento em torno de outro projeto. Isso foi feito. O projeto de Wellington Dias, por meio de substitutivo de Vital do Rêgo (PMDB-PB), foi aprovado nas duas Casas. Mesmo assim, Dilma vetou o artigo que distribuía os recursos.

Agora, Sarney não tem argumento para evitar a votação. Os parlamentares anunciaram já ter conseguido o número suficiente de assinatura (metade mais um de cada Casa) para o pedido de urgência constitucional para que o veto ao projeto dos royalties seja o primeiro da fila.

Pela manhã, em reunião com líderes da Câmara, Marco Maia confirmou o encontro com Sarney e pediu a presença de todos. Já a reunião com os governadores estava prevista desde a véspera, quando vários deles se reuniram em Brasília, na representação do Ceará, sob a coordenação do governador Cid Gomes (PSB), e decidiram pressionar Sarney para que a sessão fosse marcada.

Zarattini afirmou que, agora, a situação é mais favorável à aprovação de uma proposta próxima à sua, que preserve os ganhos do Rio e do Espírito Santo, mas redistribua o que for sendo acrescentado, incluindo os campos já explorados.

"A situação está melhor, porque o grau de consenso em torno do meu relatório aumentou em vez de diminuir", disse, sempre lembrando que ainda não fala como relator.

Para Zarattini, o Rio e o Espírito Santo se mobilizaram em torno de uma coisa concreta, já que perderiam, pelo projeto que saiu do Congresso, cerca de 40% de sua receita. "Isso seria uma pancada nas finanças dos dois Estados. Então realmente criou uma comoção, uma mobilização. Então, se a gente garantir as receitas deles, a situação é diferente. Nosso eixo é garantir a receita atual por um período e o que for acrescido na produção e na receita dos royalties vai sendo distribuído."

Governistas estão preocupados com a possibilidade de derrubada do veto, porque avaliam que o assunto irá para o Supremo Tribunal Federal (STF), arrastando ainda mais a solução. Desta vez, a ideia é tentar uma negociação mais equilibrada.

O problema é segurar os ânimos dos representantes dos Estados não produtores, principalmente do Norte e do Nordeste.

O requerimento de urgência, com as assinaturas suficientes, será apresentado na sessão do Congresso de terça-feira. A votação do veto ficaria para a semana seguinte. A derrubada exige que a maioria absoluta vote pela rejeição.

Para o vice-presidente Michel Temer, a derrubada dos vetos presidenciais à proposta de divisão dos royalties do petróleo pode levar o tema à Justiça. Temer salientou que o Congresso tem prerrogativa para analisar os vetos com base no princípio de separação dos Poderes. "Acho que faz parte da democracia, em primeiro lugar. Mas, em segundo lugar, eu quero dizer que isso vai causar um neologismo, vai judicializar a questão, vai levar essa questão para o Poder Judiciário", declarou após breve cerimônia na Câmara de filiação do ex-secretário de Transportes do município de São Paulo, Alexandre de Moraes, ao PMDB.

Segundo Temer, "o Poder Executivo fez o seu papel ao vetar" a proposta aprovada pelos deputados e senadores e que beneficiava os Estados não produtores. "[O governo] Vetou sob a ótica da inconstitucionalidade", disse. "Agora cabe ao Congresso e não serei eu quem vai dizer o que o Congresso deve ou não deve fazer."

Ele evitou comentar sobre a data da votação: se seria melhor analisar os vetos ainda neste ano ou só no ano que vem. "Qualquer interferência nossa vai ser uma interferência indevida", afirmou.

O vice-presidente afirmou que o PMDB, que hoje preside o Senado e o Congresso e que deve se manter à frente dessas instituições também em 2013, não deve ser penalizado caso os vetos à proposta sejam colocados em votação. Ele frisou que o manifesto que pede a análise dos vetos está sendo assinado pelos deputados e não pelas lideranças.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3149.
Editoria: Política.
Página: A8.
Jornalista: Raquel Ulhôa, de Brasília.