Em visita oficial a Moscou, a presidente Dilma Rousseff disse ontem que já fez tudo o que tinha de fazer sobre a questão da repartição dos royalties do petróleo e considerou que a derrota que sofreu na quarta-feira no Congresso não representa uma crise na base aliada.
A presidente veio falar com os jornalistas precisamente para tratar da questão dos royalties. "Vivemos numa democracia com os três Poderes. O Poder Legislativo é autônomo, independente e tem todas as condições de decidir contrariamente à minha decisão", afirmou. "Acredito que minha decisão foi justa diante da legislação, que diz que claramente que não se pode descumprir contratos".
A presidente considerou ainda mais importante, que "está além da repartição federativa, que tenhamos compromisso com a educação no Brasil", referindo-se à proposta do Executivo de transferir 100% dos royalties futuros para o setor.
"Vamos ser plenamente desenvolvidos quando tivermos educação de qualidade para todos. Os recursos do petróleo são finitos, não renováveis. Tudo o que ganharmos do petróleo temos que deixar para a riqueza mais permanente, que é a educação. Esse é o aspecto mais importante da minha medida provisória", acrescentou.
Indagada se fará novas articulações para manter sua decisão, a presidente retrucou em tom quase conformado: "Já fiz todos os pleitos, o maior foi vetar. Não tenho mais o que fazer. Não tem nenhum gesto meu mais forte do que o veto. O resto seria impossível. Que todos votem de acordo com sua consciência."
Questionada sobre possível crise na base governista, a presidente respondeu que jornalistas gostam de falar de crise e rejeitou essa percepção. "Temos que viver com as diferenças, com os posicionamentos diferenciados entre os Poderes, e nada disso pode resultar em crise. Isso é normal numa democracia, num país avançado como o nosso."
Na quarta-feira, o Congresso aprovou com ampla maioria requerimento de urgência para apreciação dos vetos de Dilma à proposta que altera as regras de rateio dos royalties do petróleo das áreas já licitadas. Em resposta, parlamentares do Rio de Janeiro e Espírito Santo decidiram recorrer à Justiça para evitar que seus Estados percam recursos.
Mesmo assim, o governo acredita que a provável disputa judicial em relação à distribuição dos royalties do petróleo não deve impedir a realização no ano que vem de leilões para a exploração da camada pré-sal. Para a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, o que estaria subjudice são as regras de rateio dos royalties, e não o modelo de exploração ou os contratos que seriam assinados entre a União e as empresas vencedoras dos leilões. Além disso, acrescentou a articuladora política do Palácio do Planalto, não houve veto aos trechos do projeto que definiram a essência do modelo de partilha.
"Mesmo judicializando, há condições para fazer as licitações. Você tem legalidade para fazer as licitações", disse a ministra ao Valor.
De acordo com Ideli, ainda não há uma avaliação final no governo se novas licitações no modelo de concessão também estariam totalmente liberadas. No entanto, disse que, em sua avaliação pessoal, também não haveria problemas.
A ministra descartou uma ação do governo para impedir a derrubada dos vetos presidenciais ao projeto que altera a distribuição dos royalties. "A palavra final é do Congresso. Obviamente será respeitado o que decidirem", disse a ministra, segundo quem o governo não foi surpreendido. "Temos deputados e senadores da base que estão apaixonados nas duas pontas [Estados produtores e não produtores de petróleo]. O que vamos fazer?"
Ideli desconsiderou a possibilidade de a bancada ruralista tentar aproveitar a mobilização do Congresso para fazer o mesmo com os vetos de Dilma ao Código Florestal. Na avaliação da ministra, o que diferencia os dois casos é que ruralistas e ambientalistas não estavam tão exaltados quanto os representantes dos Estados produtores e não produtores de petróleo. "Não constituiu condição política de derrubada de veto", lembrou, referindo-se ao Código Florestal.
Um dos principais líderes da bancada do agronegócio, o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) demonstrou pessimismo com a possibilidade de o episódio levar à análise dos vetos de Dilma ao Código Florestal. Segundo ele, o grupo não conseguiu colher "nem a metade" das assinaturas necessárias para aprovar o mesmo tipo de requerimento de urgência. "Não é fácil aglutinar 257 deputados e 41 senadores", disse Caiado. "Não vamos achar que isso é uma atividade que pode ser repetida."
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3155.
Editoria: Política.
Jornalistas: Assis Moreira e Fernando Exman, de Moscou e de Brasília.