Juristas que acompanham o debate sobre a nova distribuição dos royalties gerados pela exploração de petróleo no país, feita por lei aprovada pelo Congresso Nacional e vetada pela presidente Dilma Rousseff, divergem sobre o rumo que o tema pode tomar no Supremo Tribunal Federal (STF), para onde a discussão deve migrar em breve. Mas concordam que uma possível ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a Lei nº 12.734, de 30 de novembro de 2012, demandará, mais uma vez, uma decisão política dos ministros da Corte.
No mercado a expectativa é de que a decisão do STF abra a possibilidade de a presidente Dilma Rousseff mandar novo projeto para o Congresso em que, além da redistribuição dos royalties, mudanças no modelo de exploração, como o limite de participação da Petrobras nos consórcios, venha a ser reduzido.
A nova distribuição dos royalties já chegou ao STF, mas de forma periférica. Em 17 de dezembro, o ministro Luiz Fux concedeu uma liminar ao deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) e determinou a votação em ordem cronológica de mais de 3 mil vetos presidenciais a leis aprovadas pelo Congresso antes que a Casa votasse os vetos à lei dos royalties. A decisão paralisou também a votação do Orçamento da União. No dia 27, o plenário do STF derrubou a liminar, destravando a pauta do Congresso e permitindo que os vetos à lei dos royalties fossem votados.
Agora, o tema volta à pauta da Corte, mas de forma mais abrangente. São dois os argumentos levantados pelos que defendem a manutenção da antiga divisão dos royalties e os vetos à nova lei – além do próprio governo federal, os Estados e municípios produtores de petróleo, especialmente Rio, Espírito Santo e São Paulo. O primeiro deles é o de que haverá desrespeito a contratos já firmados caso as novas regras tenham validade para áreas de exploração já licitadas, justamente o ponto de discórdia entre Estados produtores e não-produtores. O segundo é o de que os royalties são uma verba de compensação para produtores, sujeitos aos riscos inerentes à exploração, como vazamentos de óleo.
Para o jurista Carlos Ari Sundfeld, professor de direito administrativo da Direito GV, nenhum dos dois argumentos deve sensibilizar o STF. Segundo ele, a Constituição garante aos Estados produtores uma participação nas receitas federais geradas pela exploração do petróleo, mas não prevê a destinação do restante dos valores recebidos pela União. Sundfeld diz ainda que o argumento de desrespeito aos contratos já firmados não faz sentido, uma vez que "não há contrato nenhum" entre a União e os Estados e municípios produtores. "A relação não é contratual, é estabelecida pela lei", afirma.
De acordo com o Sundfeld, a grande questão que o STF terá que responder é se as mudanças feitas na distribuição dos royalties tiveram um regime adequado de transição. Assim, o que o Supremo poderia fazer é "modular" os efeitos da legislação, estabelecendo um regime de transição. A dificuldade, no entanto, recai numa crítica que se tornou comum à Corte: a de estar judicializando a política. "A decisão sobre a nova distribuição foi tomada por quem é competente para isso, que é o Parlamento", diz Sundfeld, para quem uma decisão do STF seria política. "Do ponto de vista jurídico não há elementos para o Supremo reverter essa decisão", afirma. "A minoria está tentando reverter a decisão que a maioria política tomou."
Mas, para o jurista Luís Roberto Barroso, contratado pelo Estado do Rio para atuar na questão dos royalties, a Constituição apenas confirmou o tratamento dado à matéria desde a criação da Petrobras, em 1953: o de que deve existir uma compensação aos Estados produtores pela exploração do petróleo. Pelo texto da Carta, diz, a compensação deverá ser feita por lei, que pode estabelecer percentuais e critérios, mas não pode retirar o caráter compensatório dos royalties. Além disso, Barroso alega que, embora os contratos sejam celebrados entre a União e as concessionárias, eles repercutem nos Estados e municípios. "Na medida em que a lei incide sobre essa situação, mesmo que não se esteja violando contratos, certamente se viola a segurança jurídica", diz.
Barroso dá dois exemplos dessa repercussão para o Rio. Um deles é o de que boa parte dos royalties recebidos da União é destinada ao pagamento da dívida do Estado com o governo federal, situação decorrente da renegociação feita na década de 90. "Ficou estabelecido que os royalties são carimbados para o pagamento da dívida com a União. Se a União muda a lei e tira essa receita do Estado, é evidente que cria insegurança jurídica", afirma. O segundo exemplo envolve o pacto federativo. "Quando a Constituição foi aprovada, houve um acordo entre os Estados pelo qual o Rio abria mão da cobrança de ICMS sobre petróleo", diz. Segundo ele, o petróleo e o ICMS são os únicos casos em que a cobrança é feita no Estado de destino, e não no Estado de origem. "Na Constituinte, o Rio e o Espírito Santo concordaram com essa regra porque, em troca, iriam receber os royalties do petróleo. Portanto, retirar isso agora seria uma violação do pacto federativo originário", diz.
Já é a segunda vez que Barroso é chamado pelo Estado do Rio para defendê-lo nessa questão. Em 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou uma nova divisão dos royalties aprovada pelo Congresso com a lei do pré-sal. Naquele momento, no entanto, os vetos não foram derrubados. "Agora, a derrubada dos vetos provavelmente terá o inconveniente de mais uma situação de judicialização da política", diz. "Mas o Supremo é o guardião da Constituição, se a política violar a Constituição, cabe ao Supremo resolver."
A Adin deve incluir um pedido de liminar para suspender os efeitos da Lei nº 12.734 e uma decisão provisória – a ser dada pelo plenário do STF – pode sair ainda neste semestre. Para o advogado Carlos Maurício Ribeiro, do escritório Vieira Rezende, os Estados produtores têm boas chances de conseguir a liminar. Mas o julgamento de mérito da ação deve demorar. "Teremos uma batalha que pode durar anos", disse.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3208.
Editoria: Especial.
Página: A18.
Jornalistas: Cristine Prestes e Juliano Basile. de São Paulo e Brasília.