A derrubada dos vetos presidenciais à lei que redistribui os royalties do petróleo ameaça inviabilizar a construção de gasodutos. Esse risco, que havia ficado praticamente despercebido até agora, entrou na lista de preocupações do governo e aumenta ainda mais a expectativa em torno do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o novo sistema de distribuição dos royalties. Na semana passada, a ministra Carmen Lúcia concedeu uma liminar ao Estado do Rio, suspendendo temporariamente a eficácia da legislação.
O problema surgiu porque a Lei nº 12.734, que recebeu vetos da presidente Dilma Rousseff em novembro de 2012, equipara os pontos de entrega de gás natural às instalações de embarque e desembarque de petróleo. Municípios com esse tipo de instalação – como portos e tanques de armazenamento – têm direito a receber de 2% a 5% dos royalties pagos pela indústria de petróleo e gás. Se esse mecanismo entrar em vigência, conforme avaliação do Ministério de Minas e Energia, há forte risco de que as prefeituras exijam pontos de entrega em seus territórios e acabem tirando a viabilidade econômica de novos dutos.
A ameaça surge justamente quando o ministério se prepara para lançar o Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário (Pemat), com horizonte até 2021, com projetos a serem licitados no regime estabelecido pela nova Lei do Gás.
"Há um risco de pulverização dos pontos de entrega", diz o secretário de petróleo e gás do ministério, Marco Antônio Martins Almeida, sem esconder seus temores com a derrubada dos vetos. "É uma situação potencialmente preocupante", reconhece.
Esses pontos são conhecidos, no jargão do setor, como "city gates". Eles funcionam mais ou menos como uma subestação de energia elétrica para as linhas de transmissão. Em torno deles podem ser instaladas indústrias e usinas térmicas. Geralmente, abre-se o ponto de entrega onde há potencial de maior consumo do gás, mas o mesmo "city gate" pode atender tranquilamente a vários municípios – de cinco a dez, dependendo do consumo.
Como se trata de um investimento "na casa da dezena de milhão", segundo Almeida, a abertura de pontos de entrega tem sido feita com prudência nos gasodutos construídos até hoje. Se a Lei 12.734 passar a valer integralmente, todos os municípios terão um incentivo para barganhar um "city gate" dentro de seus limites territoriais, a fim de entrar no bolo de divisão dos royalties.
O pior é que as prefeituras têm um trunfo em mãos: o processo de licenciamento ambiental dos gasodutos requer a anuência das autoridades municipais. O receio do governo federal é exatamente que essas anuências só sejam dadas com a condição de que um "city gate" seja aberto em cada município. "A definição do ponto de entrega deixaria de ter critérios técnicos e passaria a ter uma função muito mais de arrecadação", avalia Almeida. "Isso pulverizaria mais ainda os pontos de entrega e poderia tirar a viabilidade econômico de alguns dutos que estão por ser construídos."
Para o secretário, a solução para o assunto pode estar na Medida Provisória nº 592, publicada em dezembro e que ainda tramita no Congresso. A MP trata da aplicação dos royalties e participações especiais arrecadados por Estados e municípios com a exploração do petróleo. O governo tentará corrigir esse problema.
O relator da MP 592, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), admite que poderá tratar da questão em seu parecer. Para ele, a existência de um ponto de entrega de gás natural não requer nenhum tipo de compensação aos municípios com esse tipo de instalações, ao contrário daqueles que têm portos ou fazem tancagem de petróleo. É injusto, segundo o deputado, equiparar as duas situações. "Esses municípios não têm muito o que ser compensado", diz Zarattini.
De acordo com o relator, há um risco significativo de pulverização não só dos pontos de entrega de gás natural, mas dos royalties em si. Ou seja, de que os recursos sejam divididos por um número muito grande de municípios, diminuindo até o tamanho do "bilhete premiado" para cada um deles. "Vamos tentar tirar novamente a questão dos 'city gates' da lei", afirma o deputado.
Almeida diz que, em vez de um impacto a ser compensado, a abertura de um "city gate" é um benefício para os municípios. "As empresas ali instaladas terão a opção de contar com um energético de preço mais baixo, em condições muito melhores, com um nível de poluentes muito menor", acrescenta o secretário.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3223.
Editoria: Brasil.
Página: A5.
Jornalista: Daniel Rittner, de Brasília.