Novo problema para Estados e municípios

Se depois da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional o regime especial para o pagamento dos precatórios judiciais, os Estados e municípios forem obrigados a quitar de imediato essas dívidas, muitos deles quebrarão. Não terão sequer como pagar os seus servidores. Mas mesmo diante do peso que representam nas contas estaduais e municipais, os precatórios não são incluídos pelo Banco Central na dívida bruta do setor público.

O valor acumulado dos precatórios estaduais e municipais atingiu R$ 87,6 bilhões em julho de 2012, o equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essa despesa dos Estados e municípios, líquida e certa, não é considerada por aqueles que analisam a solvência do setor público brasileiro simplesmente porque não aparece na estatística oficial de endividamento.

Ao responder consulta do Valor sobre os motivos da não inclusão dos precatórios na dívida bruta do setor público, o Banco Central disse que "os precatórios afetam os indicadores fiscais de dívida líquida e necessidades de financiamento do setor público no momento do pagamento, observando-se, portanto o critério de caixa adotado nas estatísticas". O BC argumentou também que "a abrangência da dívida líquida do setor público (DLSP) engloba ativos e passivos junto ao setor financeiro, ao setor externo e os representados por títulos públicos" e que "o objetivo principal é avaliar o impacto das operações do setor público sobre a demanda agregada". Assim, "é no pagamento dessas despesas que as condições de demanda são diretamente afetadas".

Supremo recoloca questão do impacto fiscal dos precatórios

Os precatórios são dívidas das Fazendas públicas com pessoas físicas e jurídicas que a Justiça mandou pagar. Não cabe mais recurso. A prática dos governos estaduais e das prefeituras, ao longo dos anos, foi de preterir esses pagamentos, direcionando os recursos públicos para outras finalidades. A incúria e a indiferença desses governantes provocaram um aumento maior desses débitos, que atingiram a astronômica cifra de R$ 87,6 bilhões em julho de 2012. Com os constantes adiamentos, alguns Estados e municípios ficaram inadimplentes por 15 anos, 20 anos ou mais. Ao longo do tempo, esta situação tem levado a Justiça a pedir intervenção federal, em alguns Estados, e estadual, em alguns municípios, para que os precatórios sejam pagos.

Diante desse quadro de descalabro, o Congresso Nacional tem aprovado parcelamentos e regimes especiais para o pagamento do estoque de precatórios. A última dessas iniciativas foi a emenda constitucional 62, de 2009. Esta emenda permitia que os precatórios fossem pagos de forma parcelada em até 15 anos. Uma alternativa seria fazer um depósito mensal, em conta especial, de 1% a 2% da receita corrente líquida do Estado ou do município. Dos recursos utilizados pelo Poder Público, 50% seriam destinados ao pagamento por ordem cronológica e os valores restantes por um sistema que combinaria ordem crescente de valor, realização de leilões e negociações diretas com os credores.

O regime especial de pagamento da emenda constitucional 62 foi considerado inconstitucional pelo STF. Antes, o Supremo tinha dado o mesmo veredito com relação à emenda constitucional 30, de setembro de 2000, que permitia o parcelamento em até dez anos dos precatórios pendentes de pagamento na data de promulgação da emenda e os que decorriam de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999.

Com relação à emenda 62, o STF ainda fará a modulação dos efeitos da decisão. Isto significa que ele vai dizer como ficam os parcelamentos em curso e os pagamentos que foram realizados sob a sistemática considerada inconstitucional. A preocupação de prefeitos e governadores é que as regras a serem definidas não inviabilizem suas administrações. Mas certamente criarão dificuldades.

Um recente estudo realizado pelo economista e geógrafo François Bremaeker, da Associação Transparência Municipal (ATM-TEC), mostrou que 83,98% dos municípios brasileiros não possuem dívidas com precatórios. Quanto aos 16,02% que devem algum valor referente a precatório, o estudo diz que a situação varia muito e está relacionada com o porte demográfico. Bremaeker realizou seu trabalho com base em dados do Tesouro Nacional, referentes a 2011.

O município de São Paulo possui o maior desses débitos, com R$ 16,9 bilhões. Se fosse pagar de uma única vez essa dívida, a prefeitura de São Paulo iria comprometer 52,67% de sua receita orçamentária, mostra o estudo. No grupo de municípios com população entre 1 milhão e 5 milhões de habitantes, o grau médio de comprometimento da receita orçamentária é de 5,8%. Mas existem vários municípios que estão acima da média, como é o caso de Salvador, capital da Bahia, que apresenta grau de comprometimento de 12,17%, Belo Horizonte, de 6,67%, Campinas (SP), 8,34%, São Gonçalo (RJ), com 8,67% e Guarulhos (SP), com 37,5%.

No grupo de municípios com população entre 200 mil e 500 mil habitantes, embora o comprometimento médio seja de 3,52%, alguns atingem níveis muito elevados. Neste caso estão, entre outros, os municípios de Diadema (SP), com 26,78% de comprometimento, Pelotas (RS), com 23,81% e Vila Velha (ES), com 21,82%. Em conversa com o Valor, Bremaeker disse que se forem obrigadas a pagar essas dívidas de imediato, muitas prefeituras ficarão paralisadas, sem dinheiro para pagar pessoal ou exercer suas atribuições nas áreas de saúde e educação.

Durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, na terça-feira passada, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), manifestou grande preocupação com a decisão do Supremo. "Estamos diante de um momento gravíssimo", disse. Tarso chegou a sugerir que a votação dos novos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE) fosse adiada para que as lideranças políticas discutissem o impacto da decisão dos precatórios. "Quando o STF determinar o saque imediato nas contas dos Estados (dos recursos para pagar precatórios), será respeitada a vinculação para a saúde, a educação, e o pagamento de salários?", questionou.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3218.
Editoria: Brasil.
Página: A2.
Jornalista: Ribamar Oliveira, de Brasília.