Quando assumiu o cargo em fevereiro de 2012, o ministro Agnaldo Ribeiro, das Cidades, passava 90% do seu tempo atendendo parlamentares que reclamavam da liberação de recursos de emendas e convênios assinados com a União. Hoje, essas reuniões deixaram de consumir a agenda do ministro.
Não se trata apenas dos reflexos de um governo que se viu obrigado a "fazer política" depois dos protestos de junho e a abrir as gavetas do Orçamento federal. A mudança na rotina do ministro Agnaldo Ribeiro é parte de um esforço que começou no ano passado para "azeitar" os canais de liberação de recursos para obras do PAC e aquelas de menor valor, tipicamente das emendas parlamentares. A estratégia exigiu mudanças nas regras de repasse de recursos, de onde foram retiradas inúmeras amarras legais e de procedimento.
"Eu agora ando atrás é de projetos para financiar. Sem abrir mão de controles ou supervisão, conseguimos reduzir de três anos para um ano e meio o tempo médio de conclusão das obras de valores inferiores a R$ 750 mil", informa Ribeiro, que vai propor que as novas regras sejam aplicadas a projetos de até R$ 1 milhão a partir de 2014.
Para se ter uma ideia do universo que essas novas regras alcançam, o Ministério do Planejamento contabiliza repasses de R$ 7,6 bilhões, de janeiro a junho, na forma de transferências voluntárias. Desde 2009, os empenhos orçamentários somam R$ 41,5 bilhões e os pagamentos, R$ 22,9 bilhões. Isso sem falar nas obras do PAC, também beneficiadas pelo novo sistema de repasses.
O dinheiro da União chega a prefeituras e Estados principalmente na forma de convênios, que são contratos assinados diretamente com os governos estaduais e municipais a partir de verbas do Orçamento federal; ou repasses que envolvem um banco como agente financeiro da União.
Durante a tramitação do Orçamento no Congresso, os parlamentares têm uma quota de R$ 10 milhões para apresentar em emendas individuais. Como o gasto é apenas uma autorização, a liberação do dinheiro é usada por todos os governos, e desde sempre como moeda de troca política.
O primeiro passo para fazer os recursos chegarem às obras foi dado em 2012 com a permissão de que até metade dos recursos das obras de pequeno porte (até R$ 750 mil) pudessem ser liberados no momento da assinatura dos convênios. Esses repasses eram feitos em parcelas mensais e de baixo valor, podendo ser interrompidos a qualquer momento por atrasos ou irregularidades.
Em agosto deste ano, a portaria 274 criou a "aferição por parcelas". A Caixa Econômica Federal era obrigada a enviar técnicos mensalmente a cada obra – pequena ou bilionária – para comprovar o avanço do projeto. A partir dessa constatação in loco é que se liberava a parcela seguinte dos recursos.
Agora, há apenas três medições feitas pela Caixa – quando a obra chega a 50%, 80% e na conclusão. Nos projetos cujo valor é inferior a R$ 750 mil, as prefeituras fazem o acompanhamento e informam o governo. Com metade dos recursos já depositados em suas contas, os prefeitos têm liberdade para gerenciar o andamento do projeto até que ele chegue à metade. Se a Caixa mostrar que não se atingiu os 50%, a liberação de novas parcelas é suspensa. A estimativa é que algo entre 80% e 90% das emendas parlamentares tenha sido beneficiada pela alteração.
No caso do PAC, que inclui obras de grande porte, os recursos são repassados de acordo com o que está previsto no cronograma físico-financeiro do projeto e a Caixa também atesta o andamento em três momentos, ficando dispensada a fiscalização mensal.
A nova regra, que vale para todos os ministérios, também resolveu um outro problema: a reprogramação de obras. Se um projeto fugisse ao cronograma mensal previsto para seu andamento, a prefeitura ou governo estadual tinha que fazer uma justificativa formal à Caixa e ao ministério supervisor propondo um novo calendário. Até que todos os envolvidos concordassem, não havia repasse de verbas federais. A alternativa de governadores e prefeitos era tocar o projeto com recursos próprios, reduzir o ritmo ou paralisar a obra. No novo modelo, os pedidos de reprogramação só precisam ser feitos quando a Caixa faz a medição. Entre um momento e outro, o administrador pode ajustar o ritmo de construção.
A inscrição das prefeituras e governo estaduais no cadastro de inadimplentes da União também passou a ter novo tratamento para convênios assinados desde 2008. Os governos precisam comprovar a regularidade fiscal apenas no momento de assinatura do convênio e não mais no momento de liberação de cada parcela. Na prática, isso quer dizer que prefeituras e governos estaduais que tiverem dívidas com a União ao longo da realização de uma obra continuarão tendo dinheiro.
Agnaldo Ribeiro também mudou procedimentos internos do Ministério das Cidades para dar maior celeridade às obras. Se qualquer delas for paralisada por mais de um ano, o ministério encerra o contrato e considera apenas o que já foi construído. Com isso, permite que as prefeituras e governos estaduais voltem a receber recursos federais. Novos repasses eram vedados caso convênios estivessem paralisados por qualquer tipo de irregularidade, atraso ou imprevisto. A estimativa é que o governo tenha conseguido, com essa alteração, encerrar 4 mil obras, além de abrir espaço para que novos contratos fossem assinados.
Os críticos das medidas, especialmente técnicos ligados à área fiscal, falam em descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e frouxidão de controles e fiscalização.
A determinação para que o dinheiro chegasse aos prefeitos e governadores foi dada pessoalmente pela presidente Dilma Rousseff e as soluções encontradas pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda foram discutidas com a área jurídica do governo. Não se trata, portanto, de um movimento isolado, mas de uma decisão de governo.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3345.
Editoria: Brasil.
Jornalista: Leandra Peres (leandra.peres@valor.com.br).