O megacampo de Libra, licitado na semana passada, vai garantir R$ 640 bilhões para educação e saúde ao longo dos 35 anos de sua concessão. Essa estimativa circula na área técnica do governo e considera a soma daquilo que será repassado para municípios, Estados e União.
As regras de duas legislações do pré-sal – a do destino dos royalties e a do Fundo Social – permitem chegar a esse valor. Ele considera R$ 270 bilhões de royalties (100% deles devem ir para essas duas áreas) mais 50% da receita com a comercialização da parte do petróleo (41,65% de tudo que for extraído do campo após o custo em óleo) que cabe à União e seu rendimento. Nas estimativas oficiais, a venda do óleo que cabe ao governo federal renderá R$ 520 bilhões ao longo dos 35 anos da concessão. Aplicados no Fundo Social, esses recursos renderão R$ 216 bilhões (a conta oficial considera uma remuneração de 4% ao ano). Portanto, aos R$ 270 bilhões dos royalties são somados outros R$ 368 bilhões que devem ser reservados para educação e saúde ao longo da concessão.
Sozinho, embora gigante, Libra representa um pequeno acréscimo ao que o país gasta hoje com educação. Considerando as despesas públicas de todos os poderes (municipal, estadual e federal), o Brasil aplica 6% do PIB em educação, o que representa aproximadamente R$ 264 bilhões por ano. Libra permitirá elevar esse valor anual para cerca de R$ 278 bilhões. Na sexta-feira, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, no entanto, salientou que os royalties da exploração do pré-sal não serão suficientes para alcançar a meta de destinar 10% do PIB à educação.
O campo de Libra só terá produção – e, portanto, receitas para destinar à educação e à saúde – a partir de 2019. E os valores, no começo, serão bem modestos. A legislação aprovada, contudo, também carimbou para as duas áreas a parcela da União em outros campos que já estão em produção ou prospecção e não apenas os futuros contratos, como no caso de Estados e municípios.
No caso da União, isso envolve campos cujo potencial de produção foi decretado depois de dezembro do ano passado (o que inclui outro megacampo, o de Franco) e também áreas leiloadas ainda sob o regime de concessão (anteriores a dezembro de 2012), mas que estejam na camada geológica do pré-sal. Aqui se inclui o antigo Tupi, hoje Lula, que já responde por 10% da produção brasileira de petróleo.
Dados divulgados pelos ministérios de Minas e Energia e da Educação, quando foi promulgada a lei que definiu o destino dos recursos da exploração de petróleo, já apontavam que R$ 770 milhões poderiam ser destinados este ano para educação. Na estimativa das duas pastas, as receitas crescem paulatinamente até alcançar R$ 21 bilhões em 2021, mas apenas uma pequena parcela pode ser creditada à Libra.
Mesmo que os recursos até agora mapeados para gastos com educação e saúde não sejam tão substanciais quando divididos ao longo das concessões, eles já provocam o debate sobre qual seria a maneira mais adequada de usá-los. Especialistas em educação divergem quanto à melhor forma para aplicar esses recursos, mas são unânimes ao indicar que o pano de fundo deve ser o aumento dos salários dos professores da rede de ensino pública brasileira, com foco no ensino básico.
Na opinião do professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutor em educação Nelson Cardoso Amaral, entre os problemas enfrentados pela educação pública nos três níveis – federal, estadual e municipal -, dois focos precisam ganhar prioridade no orçamento dos governos. "A expansão do ensino, que vem ocorrendo com sucesso na última década, precisa avançar principalmente na educação infantil. Na outra ponta, é necessário melhorar a qualidade, e para isso o professor precisa ser mais valorizado. Primeiro você cuida dos seres humanos e depois das condições materiais. Aí sim uma coisa puxa a outra", afirma.
Apenas os recursos do pré-sal não são suficientes para a melhoria do ensino público, avalia Amaral. A expectativa, no entanto, é que os recursos da exploração ajudem a atingir a meta do Plano Nacional da Educação (PNE), que prevê o aumento de 5% para 10% do PIB na participação do gasto público no setor em dez anos. "A exploração entra no contexto do aumento de impostos para a educação", diz.
O principal, para Flavio Comin, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em políticas públicas, é que seja criado "respeito social" aos professores. Ele acredita que precisa ser feito um esforço para o aumento do número de horas/aula diária dos alunos da rede pública. Atualmente, a média é de quatro horas por dia.
Aumentar a remuneração é condição básica não apenas para incentivar os professores que atualmente compõem a rede de ensino público, mas também para atrair profissionais com melhor qualificação. Dentro da remuneração maior, a prioridade deveria ser, ainda segundo o Comin, os funcionários do ciclo pré-escolar e básico, justamente pelo impacto que os primeiros anos escolares têm no desempenho e capacidade de aprendizado futuro dos alunos.
"Alguns indicadores qualitativos mostram que, aos oito anos de idade, 70% das crianças não sabem a matemática que deveriam saber. Isso é algo que pode definir o futuro de uma pessoa. O país tem uma oportunidade enquanto ainda tem um estoque de crianças e jovens para investir, pois a população está envelhecendo. Depois vai ficar mais difícil", diz.
Um passo além da valorização do professor deveria ser dado com os recursos do pré-sal, segundo Naércio Aquino de Menezes Filho, professor do Insper. A verba da exploração do petróleo poderia ser utilizada para a implementação de um sistema inédito no país, de indução pelo governo federal da melhoria da qualidade do ensino nos Estados e municípios.
A referência é o programa "Race to The Top", criado em 2009 pelos Estados Unidos, que formaliza um sistema de pontuação para Estados e municípios de acordo com o desempenho de cada um nos resultados dos alunos, na formação dos professores e nas medidas de avaliação e inovação implementadas nas escolas. No Brasil, uma experiência semelhante é feita no Ceará, onde o governo estadual aumenta o repasse de recursos para municípios com melhores indicadores de educação.
"É um programa [o dos Estados Unidos] de US$ 4 bilhões anuais, no qual o dinheiro é transferido para os outros entes da federação de acordo com a pontuação. Isso incentiva, primeiro, a adoção de um padrão básico comum curricular e, segundo, a melhoria da gestão com critérios de acompanhamento e avaliação", diz Menezes Filho. Para o professor do Insper, aumentar os salários, isoladamente, não garante uma melhora significativa nos índices de avaliação dos alunos da rede pública brasileira.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3372.
Editoria: Brasil.
Jornalistas: Denise Neumann e Rodrigo Pedroso, de São Paulo.