Em uma época não muito distante, os administradores brasileiros definiam suas prioridades e começavam a gastar sem saber muito bem como iriam financiar as novas despesas. Julgavam que apenas as boas intenções de uma proposta eram suficientes para torná-la exequível. O resultado dessa mentalidade, que infelizmente predominou durante um longo tempo, foi a completa desorganização das finanças públicas. Esse quadro só foi alterado com a aprovação da lei complementar 101, de 2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A LRF estabeleceu – e este é um dos seus pilares – que uma ação governamental que acarrete aumento de despesa precisa ser acompanhada de estimativa de seu impacto orçamentário-financeiro no exercício em que vai entrar em vigor e nos dois subsequentes, demonstrando-se a origem dos recursos para o seu financiamento.
O aumento da despesa terá, portanto, que ter adequação orçamentária e financeira e ser compatível com o Plano Plurianual (PPA) e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Ou seja, ela precisa ter dotação orçamentária específica e suficiente e não ferir dispositivos da LDO e do PPA. Do contrário, a nova despesa será considerada irregular e desautorizada.
Não é necessário enumerar os benefícios da LRF, que completará 12 anos em 4 de maio. Com a lei, a administração pública ficou mais responsável, transparente e todos os indicadores fiscais do setor público melhoraram. O Brasil, hoje, destaca-se no cenário internacional, entre outras coisas, por solidez fiscal, e a LRF é um exemplo discutido em todo o mundo.
Não se pode esquecer esse princípio básico da LRF – para criar uma despesa é preciso ter definida a fonte de recursos que irá custeá-la – quando se discute a valorização da carreira e a remuneração digna dos professores. Os especialistas são unânimes em afirmar que essa valorização do magistério é condição essencial para o Brasil ter uma educação de qualidade.
E nada mais prioritário no país do que colocar todas as crianças e os jovens em escolas de qualidade, que tenham como meta a inovação, a ciência e a tecnologia. Vive-se hoje em uma sociedade do conhecimento e os países que não se prepararem para essa nova realidade não terão condições de competir.
O piso salarial nacional para os professores da rede pública foi criado em 2008 e, à época, ele foi fixado em R$ 950. Com o reajuste de 22,2% deste ano, o piso já está em R$ 1.451 – um aumento nominal de 52,7% em quatro anos. O ganho real, considerando a variação do IPCA do momento em que ele começou a ser pago até hoje, foi de 21,9%. Depois que foi instituído, o piso dos professores subiu mais do que o salário mínimo.
O aumento de 22,2% provocou protestos de prefeitos e governadores, muitos deles do PT, que não estão contra a valorização do magistério, mas se perguntam como farão para pagar a conta e, ao mesmo tempo, manter suas administrações dentro dos parâmetros definidos pela LRF. O piso também vale para os aposentados do magistério público da educação básica.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, disse que o piso de R$ 1.451 criou um problema para os prefeitos. "Se eles pagarem o piso, irão descumprir o limite de 54% da receita corrente líquida para gastos com pessoal na área do executivo municipal, definido na LRF", afirmou. Ziulkoski alerta que, se for mantido o atual critério de correção do piso dos professores, o reajuste previsto para 2013 será de 21,8%.
É evidente, portanto, que a fórmula de correção do piso, prevista na Lei nº 11.738/2008, precisa ser alterada. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou fazer a mudança ao encaminhar, ainda em 2008, um projeto de lei que previa o reajuste do piso pelo INPC do ano anterior. Depois que o projeto foi aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara, um grupo de deputados solicitou que a decisão da CFT fosse submetida ao plenário.
Em entrevista a este jornal, o ministro Aloizio Mercadante defendeu que o piso salarial continue tendo reajustes reais nos próximos anos. Ele deseja para o piso uma política de valorização parecida com a do salário mínimo. O assunto certamente será debatido pelo Congresso, mas é preciso definir fontes de recursos para o financiamento desses gastos, sob pena de tornar inviáveis as finanças estaduais e municipais. E para fechar a equação, não se pode contar com os royalties do pré-sal, pois essa é uma receita que ainda vai demorar muito para ingressar nos cofres públicos em quantidade suficiente para bancar os gastos adicionais.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2970.
Editoria: Opinião.