A tributação sobre serviços pelos municípios brasileiros aprimorou-se depois da edição da Lei Complementar nº 116 de 2003. Além do eloquente incremento de arrecadação sem elevação de alíquotas, a nova lei nacional desse imposto municipal teve o condão de retirá-lo do ostracismo gerencial e acadêmico a que ficara relegado por anos.
Contudo, algumas regras do novel diploma ainda aguardam definição de seu sentido normativo pelos tribunais brasileiros, em especial algumas daquelas destinadas ao amortecimento das disputas entre os Fiscos locais e entre estes e os contribuintes, como é o caso da definição do local de ocorrência do fato gerador dos diversos tipos de serviço.
A dificuldade de apreensão do aspecto espacial na tributação do consumo de serviços decorre, em primeiro lugar, das características da prestação, diferida no tempo e no espaço. Assim, podem haver diferentes pessoas concorrendo para a consecução final de um determinado serviço, inclusive por meios remotos, eletrônicos, digitais, entre outros decorrentes do uso da tecnologia.
O Brasil adotou o critério do "estabelecimento prestador" como o elemento de conexão material entre a atividade visada pela tributação e o ente político competente, desde a edição do Decreto-Lei nº 406, de 1968 (art. 12). Este critério deu margem a manipulações e até mesmo a fraudes, com a criação de estabelecimentos meramente formais ou fictícios em unidades da Federação que ofereciam (e oferecem) benefícios fiscais e financeiros.
A partir da Constituição de 1988, o tema foi discutido com maior intensidade no Poder Judiciário, formando-se caudalosa jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que desprezou o critério do art. 12 do antigo Decreto-Lei nº 406, de 1968. Com efeito, o STJ adotou o "critério do destino" valendo-se da silenciosa aplicação do chamado "princípio constitucional implícito da competência territorial tributária", sem jamais assumir a (suposta) inconstitucionalidade do "critério do estabelecimento".
Diante deste cenário, a Lei Complementar nº 116, de 2003, reforçou a regra do estabelecimento como critério de definição do aspecto espacial, e o fez agregando ao sistema normativo uma definição para "estabelecimento prestador" em artigo específico (art. 4º), sublinhando a nota econômica ou profissional da unidade que prepondera na consecução do serviço.
Esta regra, de propósito heurístico, trouxe elasticidade suficiente para contemplar a identificação do estabelecimento nas mais diferentes modalidades de prestação de serviços sujeitos à tributação do ISSQN. No caso dos serviços de arrendamento mercantil (leasing) tem-se uma das modalidades com maior diversidade operacional na sua prestação, comportando um, dois ou mais estabelecimentos prestadores praticantes de atos inerentes à consecução dos serviços tributados.
O tema hoje se encontra sob julgamento no âmbito do STJ nos autos do Recurso Especial Repetitivo nº 1.060.121, interposto por Potenza Leasing contra o município de Tubarão.
Apesar de já proferidos quatro votos no sentido da fixação do estabelecimento-sede como a única unidade econômica capaz de servir de elemento de conexão material para os serviços de a leasing, tem-se a esperança de que a decisão final traga clareza e segurança jurídica para Fiscos e contribuintes em todo o país.
Assim, apesar do voto do ministro relator Napoleão Nunes Maia Filho prestigiar o critério do estabelecimento, o julgamento tem suscitando algumas perplexidades, entre as quais vale destacar as seguintes: Estaria o STJ alterando seu entendimento anterior (critério do destino), aplicado por aquela Egrégia Corte há mais de 20 anos – já que os fatos geradores do ISSQN objeto do caso concreto ocorreram, todos, sob a vigência do Decreto-Lei nº 406/68 (isto é, antes da vigência da Lei Complementar 116/2003)?
Outra questão é de como será a aplicação do critério do "estabelecimento-sede" em relação aos casos nos quais os Fiscos municipais comprovaram que a unidade econômica que define os elementos centrais do negócio jurídico financeiro está situada no território do município autuante.
Por fim, pergunta-se se a adoção do estabelecimento-sede como único critério de fixação de competência tributária não violaria o princípio do equilíbrio federativo tributário, na medida em que estimula o deslocamento de empresas de leasing para alguns paraísos fiscais municipais – havendo inclusive aqueles que violam o piso constitucional de 2% (dois porcento) para a alíquota do imposto.
Essas são algumas das questões que remanescem irresolvidas e para as quais se espera uma decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Somente o Poder Judiciário poderá evitar que apenas quatro ou cinco cidades brasileiras se apropriem de mais de 80% das "operações de leasing tributáveis" realizadas no Brasil, pela simples "atração" (às vezes desleal) dos estabelecimentos-sede para os seus territórios, ignorando a preponderância e a capacidade econômica manifestada por milhares de estabelecimentos prestadores deste serviço, espalhados em quase todos os municípios do país.
Alexandre Cialdini é presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf)
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3126.
Caderno: Legislação & Tributos.
Coluna: Opinião Jurídica.