Governadores ameaçam com ação de inconstitucionalidade

Os governadores do Rio de Janeiro e do Espírito Santo ainda dizem confiar que os vetos da presidente Dilma Rousseff à lei que prevê a mudança na distribuição de royalties e participações especiais da exploração do petróleo não serão derrubados no Congresso. No entanto, Sérgio Cabral (PMDB) e Renato Casagrande (PSB) já têm à disposição ações diretas de inconstitucionalidade, as chamadas Adins, para impedir na Justiça a alteração no pagamento dos recursos sobre os campos já licitados. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), também é favorável à manutenção do veto.

Depois da aprovação do pedido de urgência na análise dos vetos presidenciais anteontem no Congresso, Cabral afirmou que, se os vetos forem derrubados, o governo do Rio vai recorrer à Justiça. "Nós entraremos imediatamente – já está pronta a ação – no Supremo Tribunal Federal (STF) porque isso é de uma violação da Constituição muito grande", disse.

O governador do Espírito Santo disse esperar que o Congresso "não cometa a irracionalidade de romper a Constituição" e afirmou também já ter uma Adin pronta. Para Casagrande, a definição da questão no Supremo seria "um fracasso da política". "A irracionalidade tomou conta da matéria no Congresso e nem dois vetos presidenciais conseguem reverter essa disposição [dos parlamentares]", criticou.

Cabral afirma que os parlamentares de Estados não produtores têm uma interpretação distorcida sobre os royalties, que são uma indenização a Estados e municípios produtores pela exploração. "É o que diz a Constituição brasileira em seu artigo 20". Os recursos ao Supremo, no entanto, só podem ser apresentados depois que a lei que regulamenta os royalties for promulgada. Os governos do Rio e do Espírito Santo avaliam que a alteração no pagamento seria uma quebra no pacto federativo e resulta na perda de direitos adquiridos, uma vez que os Estados produtores já contam com os recursos para planejar investimentos.

O governador do Rio se disse surpreendido pela velocidade com que o requerimento de urgência foi aprovado pelos parlamentares. "Acredito que nunca antes um veto de menos de um mês tenha sido incluído na pauta do Congresso Nacional", criticou. "É um fato que nunca ocorreu na história do Congresso".

Alckmin disse que procurará articular a bancada de seu Estado em favor da manutenção do veto. "Nós já colocamos a nossa posição favorável ao veto da presidente Dilma. O que já está licitado tem uma regra, não se deve mudar", avaliou Alckmin. "O veto pressupõe um visão correta de que se deve discutir o futuro. Vou transmitir essa posição do governo claramente ao coordenador da bancada de São Paulo", continuou.

Coordenador da bancada paulista, o deputado Devanir Ribeiro (PT), no entanto, se mostrou pessimista quanto a uma articulação que leve ao Congresso uma posição unânime: "Vou trabalhar por isso, mas é difícil. A bancada paulista está dividida. Vários deputados são cobrados por prefeitos de suas cidades, gente que está iludida achando que vai enriquecer com as mudanças".

Para o deputado federal Cesar Colnago (PSDB-ES) a judicialização da questão dos royalties deve prejudicar ainda mais a exploração do petróleo e do gás no país, já há cinco anos sem uma nova rodada de licitação de poços exploratórios. "Desde quando o presidente Lula propôs mexer no marco regulatório a cadeia está sofrendo enorme prejuízo por conta da paralisação do setor", critica.

Dispostos a encampar a batalha judicial pela manutenção do veto, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), afirmam que os Estados confrontantes estão sofrendo "bullying federativo".

O STF já recebeu os primeiros mandados de segurança pedindo a nulidade da sessão de quarta-feira do Congresso, na qual foi aprovado o requerimento de urgência para a votação do veto. Pedem, também, a suspensão da sessão para votação do veto, que deve ocorrer na terça ou quarta-feira.

O primeiro foi apresentado em conjunto por Lindbergh Farias e Picciani. O segundo, pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Os argumentos são baseados em supostas violações de normas constitucionais e regimentais que teriam ocorrido na sessão, uma das mais tumultuadas e tensas já realizadas.

O placar da votação do requerimento mostra a clara disposição do Congresso de derrubar o veto: dos 513 deputados federais, 348 votaram a favor e, dos 81 senadores, 60 disseram sim. Foram contra a urgência 84 deputados e nove senadores. Um deputado se absteve.

A deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), vice-presidente da Câmara e do Congresso, presidiu a sessão. Ela foi muito aplaudida pelos representantes dos Estados não produtores de petróleo, a grande maioria do plenário, mas desagradou seu Estado, segundo maior confrontante e, depois do Rio de Janeiro, o que mais perderia com as novas regras.

Ontem à tarde, após ser novamente criticada por parlamentares do Rio e do seu Estado, ela afirmou que não irá convocar a sessão para votação do veto e que conversará com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) – no exercício da Presidência da República -, para que ele também não coloque o veto em análise na semana que vem.

Segundo a deputada, que pleiteia a candidatura de presidente da Casa, o veto ao projeto deveria ser analisado apenas no próximo ano, para possibilitar uma maior discussão sobre o tema. "Eu vou dizer a ele [Sarney] que não vou convocar porque, na minha cabeça, esse assunto tem que ficar para o ano que vem. O que posso fazer é não colaborar para que isso possa ser votado agora". Até ontem à noite, no entanto, ela não havia falado com Sarney, segundo interlocutores do pemedebista.

Um grupo de parlamentares diretamente envolvidos na tentativa de um acordo mostrou desânimo com a possibilidade de uma solução para o impasse, depois da rápida ação da bancada do Rio, recorrendo ao STF.

Há preocupação de ambas as partes com a insegurança jurídica que poderá ser gerada com a derrubada do veto. Uma possibilidade seria em torno da MP editada por Dilma para destinar à educação recursos de royalties e participações especiais dos futuros contratos. "Há vários interlocutores conversando, mas ainda sem avanços. Sem entendimento, o veto vai a voto e a derrubada é certa", afirmou o senador Wellington Dias (PT-PI), autor da proposta que deu origem ao projeto aprovado nas duas Casas, assinado pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB). "Nós esperamos impedir a marcha da insensatez que é a derrubada do veto. Ontem, foi a farra da burla à Constituição e ao regimento", avaliou Molon.

A grande preocupação dos Estados confrontantes é que, se o veto for derrubado, será restabelecido o dispositivo aprovado por Câmara e Senado que reparte de forma mais equânime toda a receita arrecadada atualmente com a exploração do petróleo no mar. Para esses Estados, trata-se de quebra de contrato e violação de direito adquirido.

"Não negociamos princípios, nem qualquer regra que altere contratos em vigência", diz o senador Francisco Dornelles (PP-RJ). Para os parlamentares dos Estados confrontantes, qualquer mudança na regra de divisão dos royalties só pode mudar os contratos futuros.

Wellington Dias, assim como Vital do Rêgo e os demais parlamentares dos Estados não produtores argumentam que não se trata de quebra de contrato, porque não há mudança no documento firmado entre União e petroleiras.

Já a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) prossegue na mobilização pela derrubada do veto. "Essa é a última batalha, pelo menos no Congresso e no Executivo", enfatiza o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. Diariamente, ele envia mensagens de texto e voz para os celulares de cada um dos prefeitos com quem mantém contato com orientações sobre o movimento.

A estratégia é pedir que acionem deputados e senadores de seus Estados, para garantir que estejam no Congresso durante a votação. "A ordem agora é todo mundo em Brasília na terça-feira", diz Ziulkoski. De acordo com ele, diversos municípios preparam atos de mobilização pela derrubada do veto.

Ziulkoski se diz otimista com a votação da semana que vem. "Tivemos margem folgada de aprovação nas votações anteriores. Não tenho dúvida que se os parlamentares estiverem lá, vamos ter maioria absoluta e derrubar mais uma vez o veto, e o Congresso vai promulgar a lei".

Quanto à disputa já aberta no Judiciário, a CNM argumenta que não há violação de contratos. "Os contratos das empresas com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) são soberanos e ninguém está questionando. O que estamos discutindo é o produto desses contratos".

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3155.
Editoria: Política.
Jornalistas: Vandson Lima, Guilherme Serodio, Raquel Ulhôa, Daniela Martins e Maíra Magro, de São Paulo, Rio e Brasília.