O funcionamento prático da gestão compartilhada de municípios e Estados no saneamento em regiões metropolitanas, decidida no dia 28 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda gera dúvidas em especialistas do setor. A maior dúvida é de como se dará a administração conjunta das regiões metropolitanas, que representam o maior faturamento das empresas estaduais.
A decisão foi tomada após 12 anos de debates na Corte. O STF discute o assunto desde 1998, quando o PDT ingressou com ação contra lei estadual do Rio de Janeiro, que autorizou a criação de uma região metropolitana para prestar os serviços do setor.
Para o presidente da consultoria GO Associados, Gesner Oliveira, a questão era disputada por empresas estaduais, encabeçadas por Sabesp, Copasa e Sanepar, e por empresas municipais, representadas pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae). "É uma disputa econômica. Os municípios querem ter o valor total da outorga do serviço e decidir como deve ser a política e articulação do setor", diz Gesner. Ele aponta Porto Alegre e Guarulhos (SP) como cidades em que o saneamento é administrado por empresas locais e onde as prefeituras querem continuar definindo sozinhas a gestão do setor.
Gesner lembra que as regiões metropolitanas são as âncoras das empresas estaduais. "A cidade de São Paulo representa mais da metade do orçamento da Sabesp", exemplifica ele, que é ex-presidente da empresa. A decisão, segundo Gesner, tem impacto positivo, já que avança sobre uma questão regulatória. "Traz melhora para as empresas, resolvendo pendência antiga", diz.
Para o advogado Augusto Dal Pozzo, vice-presidente do Instituto de Estudos Jurídicos de Infraestrutura (Ibeji), a decisão do STF surpreendeu, uma vez que o serviço era considerado municipal. Na titularidade compartilhada, municípios e Estados precisam fazer composição por meio de instrumentos jurídicos.
Dal Pozzo diz que a decisão traz mais dúvidas do que soluções. "Há obrigação ou faculdade de compartilhamento", questiona. Para ele, a decisão gera insegurança jurídica. "Quem sai perdendo é o usuário do serviço." O advogado afirma que consórcios públicos são raros e embutidos de burocracias. "São necessárias leis dos dois lados para definir essa gestão", diz. O vice-presidente do Ibeji lembra ainda que o acórdão vai definir a efetividade da decisão. "Será preciso estabelecer como ficam contratos em vigência, como os de Mauá e Diadema, por exemplo."
A consultora jurídica da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesb), Elizabete de Oliveira Góes, ressalta que o compartilhamento era um dos pleitos da entidade. "Não há viabilidade no médio e longo prazo da prestação de serviços sem que seja regional. Isso passa por questões técnicas, econômicas, geográficas e hídricas", diz. Segundo Elizabete, as decisões devem ser tomadas em conjunto. "Essa atuação é necessária para dar viabilidade ao serviço, já que essas regiões concentram os maiores ganhos das empresas".
O porta-voz da Assemae não foi localizado pelo Valor para falar sobre o assunto. Em seu site, a entidade defende que a titularidade dos serviços de saneamento deve ser dos municípios. "Não há serviço mais local do que o saneamento", ressalta Alex Figueiredo dos Reis, consultor jurídico da entidade. Na nota, ele acrescenta: "O município tem autonomia para organizar a prestação desse serviço. Mesmo nos casos de regiões metropolitanas, microrregiões e conglomerados urbanos (que arrecadam cerca de 70% das tarifas de saneamento do país), os serviços de saneamento são de titularidade do poder local".
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3206.
Editoria: Brasil.
Página: A3.
Jornalista: Guilherme Soares Dias, de São Paulo.