CAE aprova desoneração de tarifa e Renan anuncia pauta em resposta às ruas

O primeiro passo da "agenda positiva" do Senado foi a aprovação ontem pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) de um regime tributário especial capaz de reduzir as tarifas do transporte público.

O projeto prevê desonerações de tributos municipais, estaduais e federais (como PIS/Pasep, Cofins, ICMS e ISS) para o setor. De acordo com o presidente da CAE e relator da proposta, Lindbergh Farias (PT-RJ) as medidas podem reduzir o preço das passagens em até 15%.

Além disso, o texto institui contrapartidas dos Estados e municípios que aderirem ao regime, como a realização de licitação para a contratação das empresas, adoção de bilhete único ou sistema integrado de transporte coletivo e a transparência das planilhas de custo das empresas.

O projeto ainda vai passar por turno suplementar de votação na CAE, o que deve ocorrer na terça-feira. Na próxima sessão, no entanto, os senadores ainda devem analisar emendas que podem modificar o texto final. A proposta ainda precisa ser analisada pela Câmara.

Um dia após a presidente Dilma Rousseff apresentar propostas para reagir às manifestações das ruas, oposição e base aliada avaliaram ontem que ao defender a reforma política, Dilma quis desviar para o Congresso o foco da insatisfação da população. Os parlamentares decidiram devolver "a bomba jogada por ela no colo do Legislativo" e querem que Dilma deixe claro qual é a reforma defendida pelo governo.

Em outra frente, como iniciativa própria do Legislativo para responder às demandas da sociedade, o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) anunciou a votação de uma série de projetos que vão de saúde ao combate à corrupção.

Em pronunciamento no plenário na tarde de ontem, o presidente Renan Calheiros afirmou que o Congresso Nacional "está sintonizado com os novos anseios nacionais" e que não vai se omitir a responder às manifestações.

Renan garantiu a votação de pelo menos 17 projetos que compreendem cinco grandes áreas (saúde, educação, segurança, transporte coletivo, transparência e combate à corrupção e pacto federativo). "Todos serão votados nos próximos 10, 15 dias, e não haverá recesso até que esgotemos a agenda totalmente", declarou.

Entre as propostas estão a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a saúde e 10% para a educação; definição da corrupção como crime hediondo; criação do Sistema Nacional de Segurança, com o aumento das penas para traficantes; a exigência de "ficha limpa" para cargos públicos; a renegociação da dívida dos Estados e a reforma do ICMS. Renan Calheiros apresentou ainda, com apoio dos líderes partidários, um projeto de lei de sua autoria que institui o passe livre para todos os estudantes do país.

O senador, que acumula a presidência do Senado com a do Congresso, deixou clara a insatisfação dos parlamentares com a decisão da presidente Dilma de anunciar em reunião com prefeitos e governadores medidas que passam pelo Legislativo, sem conversar nem mesmo com a base aliada.

"Talvez não tenha tido tempo de consultar o Congresso Nacional, mas vamos, mesmo assim, cooperar e nos comportaremos como facilitadores da mudança", declarou.

Em outra sinalização da irritação do Congresso com o Executivo, Renan afirmou que a Casa vai apoiar "qualquer decisão no sentido de reduzir o número de ministérios para que os recursos economizados sejam redirecionados para educação, saúde, transporte e segurança pública".

Após a definição da "agenda positiva" entre Renan Calheiros e os líderes partidários, na tarde de ontem, a lista foi levada pessoalmente pelo presidente do Senado à presidente Dilma, em reunião no Palácio do Planalto. A iniciativa, explicaram os líderes, tinha o significado político de "devolver à presidente a bomba jogada por ela ao Congresso". Os líderes querem que a presidente assuma autoria sobre as propostas de reforma política que quer aprovar.

No retorno do encontro, Renan afirmou que Dilma teria se comprometido a detalhar a proposta de convocação de um plebiscito sobre a reforma política.

A falta de consulta prévia aos políticos, até mesmo os da base aliada, foi fortemente criticada pelos senadores nos bastidores e em plenário. Desde a véspera, dirigentes pemedebistas mostravam irritação com o fato de nem mesmo o vice-presidente da República, Michel Temer, ter sido consultado por Dilma. Temer é autor de um livro de sucesso e artigos que condenam a criação de constituintes exclusivas.

O presidente nacional do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), afirmou que Dilma deveria ter convocado reunião do Conselho Político, composto por líderes e presidentes dos partidos aliados. "Ela errou ao não reunir o Conselho Político antes de anunciar uma medida dessa", disse. "Falta integração entre Congresso e Palácio do Planalto", reconheceu o vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC).

O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) considerou a ideia do plebiscito uma "medida chavista, de conteúdo demagógico, que está trazendo insegurança jurídica para o país". Para o líder do PSB na Casa, Rodrigo Rollemberg (DF), "o que a presidente está fazendo é um monólogo, enquanto o Congresso quer diálogo".

Quando Renan deixou o plenário para o encontro com a presidente, a tribuna foi ocupada pelo presidente nacional do PSDB, Aécio Neves (MG), que ficou durante uma hora e 20 minutos discursando. A permanência dele por tanto tempo foi combinada na reunião de horas antes.

Aécio, provável candidato a presidente da República em 2014, afirmou que a presidente está "isolada" e, se queria fazer uma proposta sincera de pacto, deveria reconhecer os erros dos governos do PT e, "se não queria a oposição na mesa", deveria chamar pessoas à mesa para conversar, que pudessem fazer um contraponto às suas ideias.

Da tribuna, Aécio leu um manifesto divulgado na véspera pelos três maiores partidos de oposição, PSDB, DEM e PPS. No documento, os partidos manifestam "solidariedade e respeito" às manifestações e para substituir o "discurso vazio" da presidente, fazem propostas, divididas por três temas: combate à corrupção, federação solidária e melhoria da gestão e ética e democracia.

Veículo: Valor Econômico.
Edição: 3284.
Editoria: Política.
Página: A8.
Jornalistas: Yvna Sousa e Raquel Ulhôa, de Brasília.