O Congresso Nacional continua criando despesas para as prefeituras, sem definir as fontes de recursos, e não há perspectiva de que essa prática pare. A última foi a lei que instituiu o piso dos agentes comunitários de saúde e de combate a endemias, que será sancionada pela presidente Dilma Rousseff nos próximos dias. Está para ser votado na Câmara o projeto de lei que fixa em 30 horas a carga de trabalho semanal de enfermeiros, técnicos, auxiliares de enfermagem e parteiras. Posteriormente, também será fixado o piso salarial dessas categorias. Ontem, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a proposta de emenda constitucional que torna obrigatório que cada município do país tenha procuradores, organizados em carreira, com ingresso por concurso.
Uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) é que 50% das crianças de zero a três anos estejam em creches no prazo de 10 anos. Atualmente, pouco mais de 20% das crianças brasileiras nessa idade estão em creches. Embora o governo federal forneça verba para a construção das creches, elas são mantidas e custeadas com recursos municipais.
Mesmo sem essas novas despesas, os prefeitos já estavam clamando por mais recursos. O último pedido de socorro foi feito na 17ª Marcha dos Municípios, em meados de maio, em Brasília. Eles querem, principalmente, três coisas, segundo o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski. A primeira é a correção dos valores dos repasses do governo relativos aos programas federais executados pelas prefeituras. "Atualmente existem 390 programas federais, todos subfinanciados", disse Ziulkoski, em conversa com o Valor.
O Congresso não para de criar novas despesas
Ele cita o caso da merenda escolar. Para este programa, a União transfere 30 centavos por aluno, por dia. O restante é bancado pela prefeitura. No caso do programa saúde da família, o repasse mensal do governo federal é de R$ 7,6 mil e de R$ 10,2 mil, dependendo do tamanho do município. Segundo a CNM, o custo médio de cada uma das equipes de saúde (que inclui, no mínimo, um médico, um enfermeiro e um auxiliar de enfermagem) é de R$ 32 mil por mês. A diferença sai dos cofres dos municípios. Ziulkoski informa que o repasse da União cobre cerca de 20% do custo do transporte escolar. A situação de penúria dos municípios chegou a tal ponto, segundo o presidente da CNM, que vários prefeitos não querem receber o dinheiro que o governo federal oferece para a construção de creches, pois o custeio dessas instalações é bancado pelas prefeituras.
O custo do piso dos agentes comunitários de saúde e de combate a endemias não será baixo. A União transfere, atualmente, R$ 1.014,00 por funcionário/mês aos municípios para custear esses agentes. Os prefeitos usam o dinheiro para pagar os funcionários e parte dos encargos sociais e do custeio dessas atividades. Pela lei aprovada, o piso será de R$ 1.014,00.
Se a União não elevar o valor de seu repasse, as prefeituras terão que arcar com o custo dos encargos sociais e do custeio. A despesa adicional com a redução da carga horária dos enfermeiros é estimada pela CNM em R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões. A rigor, os parlamentares estão descumprindo a lei de responsabilidade fiscal (lei complementar 101/2000) que determina, em seu artigo 17, que os atos que criarem ou aumentarem despesa deverão demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.
A segunda reivindicação dos prefeitos é ampliar a arrecadação de seu principal tributo, o Imposto sobre Serviços (ISS). Ziulkoski defende um projeto de lei que reduza a sonegação e a concentração da receita desse tributo. Em 2012, último dado existente, a receita do ISS atingiu R$ 46,6 bilhões. Desse total, 47% ficaram com apenas 11 cidades. Para aumentar a arrecadação do ISS, o projeto defendido pela CNM prevê que o setor de construção civil pague o tributo sobre o total da obra contratada. Para promover a desconcentração, o projeto estabelece que o ISS sobre leasing e cartões de crédito será cobrado no local em que está a pessoa que fez a operação e não no local do prestador de serviço, como ocorre atualmente.
Depois da marcha dos prefeitos, Ziulkoski foi recebido pela presidente Dilma Rousseff, com a presença dos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Casa Civil, Aloizio Mercadante. O ministro Mantega saiu da reunião com a missão de encontrar uma solução para o problema da concentração do ISS. Posteriormente, o presidente da CNM manteve outros encontros com os ministros da Fazenda e das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini. Uma das ideias em estudo é incluir as propostas da CNM em um projeto que reformula o ISS, aprovado no ano passado pelo Senado e que está em discussão na Câmara.
Os municípios querem mais. A pressão maior dos prefeitos é para que mais dois pontos percentuais da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sejam destinados ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o que resultaria em um acréscimo de R$ 7 bilhões nas receitas das prefeituras. O FPM passaria dos atuais 23,5% das receitas do IR e do IPI para 25,5%. O governo resiste a esta mudança como pode, pois uma elevação do FPM resultará em perda de Receita para o governo federal. Mas a pressão no Congresso está se tornando insustentável.
Há duas propostas de emenda constitucional (PEC) em tramitação. Uma na Câmara dos Deputados e outra no Senado. Ontem, o líder do governo no Congresso, José Pimentel (PT-CE), só conseguiu impedir a votação de uma dessas PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado com o argumento de que o governo está negociando com a CNM uma alternativa de financiamento para os municípios. O presidente da CCJ, senador Vital do Rego (PMDB-PB) concedeu vistas coletivas. A PEC já tem parecer favorável do relator, senador Armando Monteiro (PTB-PE) e o apoio da bancada do PDMB. Com a Copa, é provável que esse assunto só volte à pauta após as eleições de outubro.
Certamente, ele voltará. É importante observar que a necessidade de mais recursos por parte dos municípios muda a forma de avaliar a questão fiscal a partir de 2015.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3520.
Editoria: Brasil.
Página: A2.
Jornalista: Ribamar Oliveira, de Brasília (ribamar.oliveira@valor.com.br).