Para garantir a meta fiscal do primeiro quadrimestre deste ano, o governo não postergou apenas o pagamento dos precatórios da Previdência Social e da administração federal. O Tesouro Nacional adiou também o repasse de royalties do petróleo devido aos Estados e municípios, da compensação financeira pelo uso de recursos hídricos e da cota-parte do salário educação.
O adiamento das transferências dos royalties e do salário educação começou a ser feita em fevereiro deste ano. O atraso no repasse da compensação dos recursos hídricos teve início em dezembro de 2013. Durante todo o ano passado, o governo transferiu os royalties até o dia 24 de cada mês. No caso do salário educação, a cota estadual e municipal foi depositada até o dia 19. Apenas duas vezes em 2013, a transferência da compensação dos recursos hídricos foi feita no último dia do mês.
Em 2014, o Tesouro decidiu fazer as transferências legais de receitas aos Estados e municípios no último dia do mês. Com isso, o débito no caixa único da União e o crédito nos cofres estaduais e municipais só ocorrem no mês seguinte. Com a postergação, conhecida como "pedalada" na área técnica, o Tesouro ganhará um mês dessas receitas, desde que mantenha a sistemática até o fim do ano.
Para que se tenha uma ideia da dimensão da "pedalada", as transferências legais para os Estados e municípios em abril foram reduzidas em R$ 1,61 bilhão por causa do atraso nos repasses. Desse total, R$ 620 milhões foram de royalties. Como o Valor havia informado anteriormente, o governo postergou de abril para outubro deste ano o pagamento de R$ 3,1 bilhões de precatórios do INSS e R$ 2,67 bilhões em precatórios da administração direta e indireta. Assim, despesas e transferências de receitas adiadas somam R$ 7,38 bilhões.
Se os precatórios tivessem sido pagos e as transferências realizadas, o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) não teria cumprido a meta de superávit primário do primeiro quadrimestre, fixada em R$ 28 bilhões.
Consultado pelo Valor PRO, o serviço de informação em tempo real do Valor, o Tesouro negou que tenha postergado o repasse dos depósitos de royalties devidos a Estados e municípios. "O Tesouro Nacional não considera que houve postergação nos repasses", disse a instituição por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda. "As ordens de pagamento foram emitidas no mês em que a receita foi classificada. "
As ordens bancárias de repasse dos royalties do petróleo aos Estados e municípios realmente foram emitidas no dia 30 de abril, mas o dinheiro só foi sacado da conta única do Tesouro e creditado aos governos estaduais e prefeituras no início de maio. A razão para isso é que as ordens bancárias foram emitidas às 17h13 e às 17h14 do último dia de abril, conforme pode ser verificado ao se consultar os documentos no Siafi, o sistema eletrônico que registra todas as receitas e despesas da União.
O manual do Siafi determina que só sejam debitadas no mesmo dia as ordens bancárias emitidas até às 17h10. Após essa hora, os débitos serão realizados no dia útil seguinte. Embora emitidas no último dia de abril, as ordens bancárias não tiveram efeito financeiro no caixa do Tesouro, ou seja, não reduziram as disponibilidades de caixa. A receita de royalties que era dos Estados e municípios ficou, em abril, com o Tesouro e, assim, aumentou o superávit primário do governo central e inflou a receita corrente líquida da União.
Na quarta-feira, durante reunião na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, foi questionado pelo deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ) sobre o atraso no repasse dos royalties. A prefeita de Campos (RJ), Rosinha Garotinho, é mulher do parlamentar. Campos é um dos municípios que mais recebem royalties.
Augustin disse que a transferência está sendo feita no dia primeiro de cada mês, segundo relato de parlamentares presentes na comissão. Garotinho contestou o secretário, dizendo que existe dispositivo determinando que o repasse dos recursos seja feito no máximo até o dia 27 do mês em que é devido. No mês passado, o Tesouro manteve a nova sistemática. Os royalties do petróleo de Estados e municípios relativos a maio, no valor de R$ 1 bilhão, só foram repassados no início de junho.
Alguns secretários municipais de Finanças e secretários estaduais de Fazenda queixaram-se ao Valor sobre o efeito do atraso dos repasses no cálculo da receita corrente líquida (RCL) de municípios e Estados. A RCL é usada para calcular os limites das despesas com pessoal de cada um dos poderes nas unidades da Federação. A postergação das transferências, segundo as fontes, inflou a RCL da União no primeiro quadrimestre e reduziu a RCL de Estados e municípios.
O Valor consultou o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a postergação de receitas. Por meio de sua assessoria de imprensa, o TCU disse que, em relação aos royalties do petróleo, a legislação prevê que compete ao Tribunal fiscalizar apenas o cálculo das indenizações, não havendo nada específico sobre a fiscalização da entrega dos recursos. Com relação à cota parte do salário educação, a assessoria informou que também não há disposição constitucional ou legal para o acompanhamento da entrega dos recursos pelo TCU.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 3522.
Editoria: Brasil.
Jornalista: Ribamar Oliveira, de Brasília.