O prazo para a prestação de contas sobre investimentos educacionais dos municípios brasileiros ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) termina hoje e o processo apresenta um quadro de atraso. Na última atualização, feita ontem à tarde a pedido do Valor, 60% das 5.563 cidades do país ainda não haviam transmitido seus dados para o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope) e correm o risco de ficar impedidas de acessar recursos do governo federal e ter suspensas verbas de convênios vigentes com União, enquanto a situação permanecer irregular. No caso dos Estados, a plataforma eletrônica estará aberta até 31 de maio para receber as declarações.
A punição vale somente para os recursos de transferências voluntárias negociadas entre prefeituras, parlamentares e o Ministério da Educação (MEC), conforme prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Como a maioria dos municípios – principalmente os pequenos – depende de repasses estaduais e federais, a demora na transmissão das informações pode atrapalhar os planos de muitos secretários municipais de Educação para a construção e reforma de escolas e aquisição de materiais. Transferências constitucionais, como as que garantem o Fundeb, não são afetadas.
O coordenador do Siope, Paulo Cesar Malheiro, explica que prefeituras em situação irregular estão inelegíveis, por exemplo, para obter empréstimos do programa federal Pró-Infância, que foi incluído no PAC 2 para acelerar a construção de 1.500 novas creches em todo o país. Os municípios atrasados também perdem o direito de acessar o orçamento de mais de R$ 600 milhões que o MEC oferece no Caminho da Escola, que conta com financiamentos especiais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a compra de ônibus escolares. Segundo levantamento da ONG Contas Abertas, as transferências voluntárias do MEC para as prefeituras brasileiras em 2009 totalizaram R$ 2,272 bilhões.
"A maioria dos entes federados deixa para a última hora. Não vou me surpreender se tiver 3 mil municípios devendo declarações na segunda-feira. Mas como eles dependem dos recursos e a transmissão é muito simples, o desespero bate e as transmissões começam a entrar", comenta Malheiro. Ele explica que o Siope está interligado com os tribunais de contas municipais. "Se a prefeitura tiver alguma pendência no tribunal de contas, a declaração para o Siope atrasa."
A prefeitura de Tutoia, no norte do Maranhão, a 350 quilômetros de São Luís, perdeu R$ 9 milhões porque não prestou contas ao FNDE. "É um mar de dinheiro para um município pequeno", opina Malheiro. O assessor jurídico da prefeitura de Tutoia, Carlos Sérgio de Carvalho Barros, joga a culpa na gestão anterior do prefeito Zilmar Melo Araújo (PMDB). "Até hoje não há prestação de contas nem para o Siope nem para nenhuma outra área. Só conseguimos receber as transferências atualmente porque entramos com mais de dez liminares na Justiça federal."
Acusada de diversas irregularidades e sem direito aos repasses federais, a administração local atrasou os salários dos funcionários públicos em três meses. Depois das eleições municipais de 2008, que marcaram a derrota de Melo Araújo, mais de 200 servidores, na maioria professores da rede pública de Tutoia, depredaram e saquearam a casa do ex-prefeito.
A situação é diferente em Alto Boa Vista, interior de Mato Grosso. A cidade se destaca por ter sido a primeira a enviar os dados da gestão da educação ao Siope este ano. Segundo o tesoureiro da prefeitura Carlos da Silva Pereira, a orientação é dar agilidade à burocracia da máquina pública para não correr riscos de receber recursos em atraso. "Quanto mais rápido melhor", afirma. EM 2009, a cidade recebeu R$ 146,9 milhões de repasses do FNDE.
Como funciona
O Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope) é um programa de computador administrado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do Ministério da Educação (MEC). Criado em 2006 para padronizar os dados financeiros da área educacional dos governos federal, estaduais e prefeituras, o sistema acompanha a aplicação das receitas orçamentárias na manutenção e no desenvolvimento do ensino de cada ente federado, de acordo com as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e outras regras.
Além do FNDE, a Secretaria do Tesouro Nacional, os tribunais de contas municipais e vereadores e deputados têm acesso ao sistema. Segundo Paulo César Malheiro, coordenador do Siope, o sistema é um mecanismo de controle e também de planejamento, pois fornece informações atualizadas sobre as receitas públicas e os recursos vinculados à educação – pela LRF, os governos estaduais são obrigados a aplicar 25% do orçamento no setor, e as prefeituras, 30%.
As secretarias municipais e estaduais de Educação são obrigadas a enviar declarações anuais para manter o Siope atualizado, sob pena de não acessar transferências federais para o setor.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Brasil.
Jornalista: Luciano Máximo,de São Paulo.