Decreto altera regras para ferrovias e governo poderá usar trechos ociosos

O governo federal bate o martelo amanhã do novo marco regulatório do setor de ferrovias do país, um decreto que altera radicalmente o atual modelo de concessão de uso da malha e que causará tensão com as concessionárias que hoje controlam o setor.

O novo marco regulatório, conforme apurou o Valor, estabelece que, por meio da estatal Engenharia, Construção e Ferrovias (Valec), o governo poderá fazer uso do trecho ferroviário que hoje pertence às concessionárias, mas que não é explorado comercialmente. As informações foram confirmadas pelo presidente da Valec, José Francisco das Neves. "A partir do decreto que será assinado amanhã pelo presidente Lula, colocaremos um fim no monopólio das concessionárias", diz.

Hoje, a malha ferroviária do país atinge 28,5 mil km, mas nem 12 mil km são efetivamente usados. "Isso significa que o governo poderá trabalhar com essa parcela ociosa (cerca de 16 mil km), vendendo o direito de transporte de cargas para empresas interessadas", afirma Neves.

A intenção de mudança do marco regulatório já havia sindo anunciada, e foi agora confirmada por Neves. No modelo atual, a Valec executa as obras de ferrovias e o governo concede trechos a empresas privadas. A nova proposta, no entanto, está mais próxima do modelo de concessão espanhol, diz ele. A Valec passa a ter a função de manutenção e controle da ferrovia, vendendo o direito de uso da malha não utilizada. Com a medida, o governo pretende acabar com o direito de uso exclusivo da ferrovia por determinado concessionário. As novas regras não tiram a exclusividade que as concessionárias detêm em trechos em uso regular.

Procurada pela reportagem, a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que representa as concessionárias, informou que tinha acabado de receber o texto do decreto e que o material ainda estava em análise pelos advogados da associação. "A única coisa que posso dizer até agora é que há problemas graves no que está proposto", disse Rodrigo Vilaça, diretor executivo da ANTF. "A associação não foi ouvida. Gostaríamos de ter feito parte dessa avaliação. O mais prudente seria que esse decreto fosse prorrogado, para que tenhamos uma posição mais clara sobre a proposta."

No mês passado, a Valec recebeu aumento de capital de R$ 1,037 bilhão, por meio de decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nos últimos três anos, o capital social da estatal quadruplicou, saltando de R$ 920,1 milhões em 2006, para R$ 3,680 bilhões.

A atuação da Valec não se limitará à responsabilidade de vender trechos da malha atual. No dia 23, a estatal receberá as propostas de empresas interessadas na construção de 1.670 quilômetros de ferrovias. A licitação, que prevê investimentos de R$ 6,4 bilhões, vai decidir quem fará a extensão da Ferrovia Norte-Sul, de Ouro Verde (GO) a Estrela d ' Oeste (SP); e o início da construção da Leste-Oeste, entre Ilhéus e Barreiras, na Bahia.

O prazo original para início das obras era julho, mas segundo Neves, houve atraso no cronograma devido a mandados de segurança movidos por empresas. "Hoje estamos preparados para cassar qualquer liminar na Justiça. A obra vai começar em setembro", afirma.

Outro projeto que a Valec quer tirar do papel daqui a um mês é a expansão da linha Leste-Oeste, entre as cidades de Campinorte (GO) e Lucas do Rio Verde (MT). O trajeto, que soma mais 1.040 km de linha férrea, é avaliado em R$ 4,2 bilhões. "Estamos apenas aguardando a licença ambiental prévia do Ibama, que deve sair nos próximos dias, para publicarmos o edital", diz Neves.

A expectativa é que os trechos, que adicionam mais 2.710 km à malha nacional, sejam totalmente concluídos em dois anos. Com isso, a rede nacional ferroviária atingiria pouco mais de 30 mil km, índice ainda bem abaixo do que a demanda atual do país exige, mensurada em cerca de 50 mil km.

O papel da estatal no setor, segundo Neves, tem um ciclo para ser cumprido. No futuro, diz ele, não há razões para que a empresa continue a ser 100% estatal. "Há espaço para que, aos poucos, ela seja repassada à iniciativa privada", afirma. O plano da Valec é que, daqui a um ano e meio, a empresa tenha negociado contratos de longo prazo para transporte de carga de empresas, dispensando assim a necessidade de aporte do Tesouro.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Editoria: Brasil.
Jornalista: André Borges, de São Paulo.