Disparada de gastos impede superávit primário maior

Os gastos não financeiros das três esferas de governo avançam a um ritmo muito superior ao da inflação neste ano, especialmente os da União. Amparadas pelo aumento forte de receitas e por 2010 ser um ano de eleições, as despesas do governo federal aumentaram, de janeiro a julho, 13,7% em relação aos sete primeiros meses de 2009, já descontada a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), enquanto as de Estados e municípios tiveram aumento real de 8%. As estimativas para os governos regionais são do economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero. Os números da União são do Tesouro Nacional.

No conjunto de União, Estados e municípios, os gastos subiram 11,2% acima da inflação, calcula Montero. Essa alta de gastos explica por que o superávit primário do setor público (a diferença entre receitas e despesas não financeiras) de janeiro a julho ficou em 2,14% do PIB, nível quase idêntico aos 2,18% do PIB do mesmo período de 2009, a despeito da significativa expansão de receitas ocorridas neste ano. Montero chama a atenção para a expansão de gastos da União, especialmente do custeio e o investimento – despesas discricionárias, justamente aquelas sobre as quais o governo tem maior controle. De janeiro a julho, os outros gastos de custeio avançaram 23,9%, para R$ 71,6 bilhões, respondendo por um quarto do crescimento do total de despesas. É o segundo item que mais contribuiu para a alta dos gastos totais no período, atrás apenas dos 29% referentes aos benefícios previdenciários. As despesas com aposentadorias, porém, são bem maiores, tendo somado R$ 136,6 bilhões nos sete primeiros meses do ano, 13,3% a mais que em igual período de 2009.

Os investimentos tiveram o maior aumento em termos relativos no intervalo, de 67,5%, mas responderam por apenas 18,4% do aumento dos gastos totais. O ponto é que eles ainda são baixos em relação ao total de despesas: apenas R$ 25,1 bilhões, ou 6,9% de um total de R$ 364,2 bilhões.

"É um governo que aprendeu a gastar e que está gostando de gastar", diz Montero. Ele observa que as despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários e pessoal, registram uma evolução mais moderada. Os dispêndios com pessoal subiram 8,6% de janeiro a julho, uma taxa bem inferior aos 19,1% do mesmo período de 2009.

Nos últimos meses, houve alguma desaceleração no ritmo de gastos da União, mas a perda de fôlego é pouco expressiva, diz Montero. Na média de maio, junho e julho, os gastos não financeiros da União subiram 11,6% em relação ao mesmo período de 2009, já descontada a inflação. Para ele, poderá haver alguma desaceleração adicional no segundo semestre, mas não muito relevante. Nesse cenário, ele acredita que os gastos da União deverão ter um crescimento real de dois dígitos, na casa de 10% a 11%, no acumulado do ano.

Os gastos dos governos regionais avançam a um ritmo mais modesto. Para Montero, um dos motivos é que as transferências da União a Estados e municípios crescem a um ritmo inferior ao da receita líquida do governo federal. De janeiro a julho, as transferências subiram 7,3%, bem menos que os 18,4% da arrecadação federal.

O forte aumento das despesas públicas até agora se explica em parte pelo fato de 2010 ser um ano eleitoral, como lembra o economista Maurício Oreng, do Itaú Unibanco. Em anos com eleições, diz ele, há uma maior concentração de despesas no primeiro semestre porque a legislação impede a contratação de novas obras a partir de julho. Para Oreng, essas restrições são mais relevantes para os Estados, que tendem, com isso, a desacelerar os gastos num ritmo um pouco superior ao da União. As estimativas de Montero já mostram uma perda de fôlego mais significativa dos governos regionais – na média de maio, junho e julho, as despesas financeiras subiram 4,5% acima da inflação, abaixo dos 8% do acumulado de janeiro a julho.

Para Oreng, a força da arrecadação nos últimos meses e o impacto das restrições da legislação eleitoral sobre as despesas devem ajudar o setor público a conseguir um superávit de 2,7% do PIB neste ano. Há contas mais conservadoras, como a do economista Marcos Fantinatti, da MCM Consultores Associados, que espera um número de 2,1% a 2,2% do PIB, sem considerar receitas atípicas, que podem vir de dividendos de estatais.

Há quem acredite que o país entrou numa fase de superávits estruturalmente mais baixos, que tenderão a continuar na casa de 2% a 2,5% do PIB por vários anos, bem abaixo dos 3,3% do PIB da meta atual, que tende a ser cumprida apenas com o abatimento de despesas com investimentos. Um dos motivos é que não está mais no horizonte o risco de insolvência, como nota o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. "Hoje para uma taxa real de juros de 6% e um crescimento de 4,5%, um superávit de 0,6% do PIB já seria suficiente para manter a dívida estável como proporção do PIB", diz ele. Qualquer número acima disso já derruba a relação dívida/PIB.

Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2600.
Editoria: Brasil.
Página: A4.
Jornalista: Sergio Lamucci, de São Paulo.