O aumento da oferta de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), o direcionamento de políticas públicas aos cuidados primários e à prevenção de doenças, o uso de novas tecnologias e o crescimento econômico ajudam a explicar os avanços nos principais indicadores de saúde do Brasil. Velhos problemas (como subfinanciamento, má gestão, desigualdade e falta de insumos) persistem e, junto com as chamadas doenças da modernidade, são um desafio para o novo governo.
O Brasil registra tendência de queda em 90% das doenças epidemiológicas. O número de casos de aids por 100 mil habitantes caiu de 21 para 18 entre 2002 e 2008, enquanto as ocorrências de tuberculose e hanseníase registram redução que varia de 15% a 30% no período. Já os registros de malária atingiram um pico de mais de 610 mil casos em 2005, número que foi reduzido para 308,4 mil notificações quatro anos mais tarde.
A pediatra Maria José de Oliveira Araújo, da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, explica que a diminuição da incidência de doenças gera consequências positivas para indicadores de bem-estar. Um deles é a taxa de mortalidade infantil por mil bebês nascidos vivos, que caiu de 23,6 para 19 entre 2003 e 2009. "Os casos de mortalidade materna também caíram de 74 para 55 [para cada 100 mil bebês nascidos vivos, de 2003 a 2009] por causa do acompanhamento de pré-natal e das melhores condições de realização do parto. Mas o país precisa melhorar o modelo de medição disso, ainda há muita morte sem notificação", analisa a médica.
Entre 2003 e 2009, as consultas na rede federal, estadual e municipal aumentaram quase 20% (acima dos cerca de 7% de aumento da população), chegando a 455 milhões. Foram mais de 425 mil exames e quase 20 milhões de atendimentos pré-natal em 2009 – em sete anos, alta de 55% e 125%, respectivamente. Com orçamento anual superior a R$ 5 bilhões, o Programa Saúde da Família (PSF), estratégia de atendimento básico, cobre hoje 97 milhões de pessoas em mais de 5,2 mil cidades. No trabalho porta a porta, as 30,7 mil equipes de médicos, enfermeiros e assistentes sociais – eram 19 mil em 2003 – atuam com frequência maior nas regiões mais pobres do país.
Para o sanitarista Gilson Carvalho, crescimento econômico, ampliação de serviços de saúde e avanços de indicadores estão relacionados. Participante da criação do SUS há 22 anos, ele indica novos desafios para o sistema público. "O investimento não acompanhou a demanda e hoje nos encontramos num momento conjuntural de transição do perfil epidemiológico, de envelhecimento da população e mudanças do padrão alimentar – antes faltava comida, hoje sobra, com alta ingestão de alimentos prejudiciais à saúde", diz Carvalho.
No contexto desse novo perfil de moléstias, a maior preocupação atual das autoridades é o aumento de ocorrências das "doenças crônicas da modernidade" – hipertensão, diabetes, colesterol e obesidade. "Há 50 anos, 45%, 50% das mortes eram decorrentes de doenças transmissíveis e apenas 5% de males crônicos. Com o avanço das vacinas e dos tratamentos, o quadro praticamente se inverteu. Hoje, 30%, 35% das causas de mortes no país são decorrência de doenças crônicas, com destaque para os problemas cardiovasculares", assinala Deborah Malta, coordenadora de doenças e agravos não transmissíveis do Ministério da Saúde.
Os dados sobre essas doenças começaram a ser sistematizados pela pasta em 2006 e, desde então, se mantêm em alta. O sistema Vigilância de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) aponta que os hipertensos no país atualmente totalizam 17 milhões de pessoas – 35% da população acima de 40 anos; há apenas quatro anos a composição era de 30%. Os portadores de diabetes são mais de 10 milhões, com 500 novos casos registrados diariamente, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).
Segundo Deborah Malta, as principais políticas governamentais para controlar esses males se concentram na promoção da saúde e no aperto da regulação. "Além das ações clássicas de assistência, como distribuição gratuita de medicamentos, o ministério incentiva campanhas de conscientização e projetos da rede SUS que estimulam a prática de atividades físicas. Outro caminho é uma legislação mais rigorosa para determinados alimentos, tabaco e álcool."
O diretor-executivo do Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de Saúde (Conass), Jurandir Frutuoso, fala que o combate a doenças crônicas depende de esforços da população. "Assim como a dengue, a prevenção dessas doenças é uma responsabilidade compartilhada, depende do sistema e da conscientização das pessoas. São doenças adquiridas em boa parte pela falta de hábitos alimentares saudáveis e de atividade física", diz.
O sinal de alerta também está aceso para a dengue. Este ano, quase 1 milhão de casos foram notificados em todo o país. Cerca de 600 pessoas morreram até outubro. Pelo menos dez Estados correm o risco de enfrentar epidemia no verão e 15 cidades podem sofrer com um surto da doença. Precariedade nos serviços de saneamento básico e coleta de lixo no Norte, Nordeste e Centro-Oeste são a principal causa da proliferação do vírus.
Para o médico Marco Antonio Andreazzi, um dos autores da pesquisa Assistência Médico-Sanitária (AMS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a desigualdade na distribuição de equipamentos e insumos no sistema de saúde brasileiro compromete o combate a doenças e a qualidade do SUS.
Recente edição da AMS, divulgada na sexta-feira, indica que a quantidade de equipamentos para manutenção da vida (reanimador pulmonar, desfibrilador, incubadora etc.) em estabelecimentos privados em 2009 era de 239,9 mil unidades, ante 126,4 mil no sistema público. Em 2005, as unidades de saúde particulares concentravam 167,9 mil desses aparelhos, enquanto o setor público oferecia 82,2 mil. "Existe a tendência em achar que quanto mais equipamento melhor, mas o acesso fica restrito à parcela muito pequena, criando-se um ônus para quem não consegue pagar", explica Andreazzi.
O caso da aposentada Ivone Araújo, de 65 anos, ilustra a preocupação do médico. Ela levou um tombo e quebrou o fêmur quando passava as férias de fim de ano em Brotas, a 250 quilômetros de São Paulo. Foi levada ao hospital municipal, onde foi diagnosticada a necessidade imediata de cirurgia. Mas como a unidade não tinha estrutura para o procedimento, ela ficou internada por uma semana até que surgisse uma vaga em algum hospital da capital paulista ou da região. "Foi sofrido, fiquei todo o tempo imobilizada na cama, tomando medicação para não ter uma embolia", lembra Ivone, que está recuperada do acidente.
Como ela e a família vivem em São Paulo, queriam que a operação fosse agendada para a capital, mas a paciente foi transferida para o Hospital Estadual de Bauru, mais perto de Brotas. Lá precisou refazer exames e tirar novas radiografias antes de ser submetida à cirurgia. O filho Andersom Luiz Araújo prolongou as férias para acompanhar o périplo da mãe, mas se diz satisfeito com o serviço. "A semana da internação foi tensa, nunca se sabe o que pode acontecer. Mas quando chegamos em Bauru foi tudo bem, os médicos eram bons e o hospital parecia de Primeiro Mundo. Tinha até televisão no quarto."
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2640.
Editoria: Brasil.
Página: A6.
Jornalista: Luciano Máximo, de São Paulo.