Estados e municípios terão dificuldades financeiras para cumprir determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), da semana passada, de pagar um piso de R$ 1.187 como salário-base (sem gratificações) aos seus professores. O governo do Rio Grande do Sul reconhece que não tem condições de alcançar o valor nos próximos anos e cálculos da Confederação Nacional de Municípios (CNM) revelam que as prefeituras brasileiras precisarão de R$ 2,3 bilhões extras para se enquadrar às regras.
As autoridades também estão preocupadas com outro aspecto em aberto da lei, que obriga as redes de ensino a reservar ao professor um terço da carga semanal de 40 horas para a chamada hora-atividade, utilizada para estudo e leitura, preparação de aulas e atendimento de pais e alunos. O tema foi debatido pela corte suprema, mas o julgamento terminou com cinco votos favoráveis e quatro contrários. São necessários pelo menos seis votos, por isso o tribunal aguarda a decisão, ainda sem data prevista, dos ministros Cezar Peluso e José Antônio Dias Toffoli, ausentes da sessão.
A aprovação da jornada extraclasse significa impacto maior nas finanças dos governos estaduais e das prefeituras, porque implica a contratação de milhares de professores. A secretária estadual de Educação do Mato Grosso do Sul, Maria Nilene Badeca da Costa, diz que seria necessário admitir 4 mil trabalhadores. "Temos hoje 18 mil professores e estamos dentro do piso. As novas contratações aumentariam em R$ 4,8 milhões mensais a folha de pagamento. Basicamente, a cada cinco professores é necessário contratar mais um", calcula a secretária.
Maria Nilene também observa que a decisão afetaria todos os 78 municípios sul-mato-grossenses. De acordo com Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, a reorganização da jornada de trabalho das secretarias municipais de Educação de todo o país pode elevar a folha de pagamento em R$ 3,1 bilhões. "Receamos que a decisão do Supremo tenha efeito retroativo, tornando o impacto ainda maior em função das diferenças que precisariam ser calculadas desde janeiro de 2009, quando a lei começou a valer", avalia Ziulkoski.
Em Santa Catarina, o governador Raimundo Colombo (DEM) disse que está preocupado com a implementação da hora-atividade. Com benefícios aprovados em 2010 para várias categorias, o pagamento do funcionalismo público estadual passou a representar cerca de 48% da receita corrente líquida, próximo do limite máximo determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina que gastos com pessoal não devem ultrapassar 49% da receita corrente líquida e já acima do limite prudencial de 46,5% da receita.
A Secretaria Estadual de Administração de Santa Catarina informou que ainda aguarda parecer jurídico do STF para calcular o impacto sobre a folha de pagamento. Estimativa aproximada deve ser anunciada na próxima semana. Segundo a coordenadora estadual do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Santa Catarina (Sinte-SC), Alvete Bedin, a medida atende à reivindicação da categoria e deverá exigir a realização de concursos para ampliar em até 25% o corpo docente estadual. A avaliação de Alvete é que o aumento do piso vai beneficiar não só os professores com ganhos abaixo de R$ 1.187, mas também os inativos e profissionais de outras categorias.
Paraná, São Paulo e Minas Gerais já cumprem o piso, mas ainda analisam como vão ajustar as contas em caso de aprovação da hora-atividade. "Podemos ter problemas em alguns municípios da região nordeste", reconheceu o governador paranaense, Beto Richa (PSDB). Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, o professor que faz 40 horas semanais atualmente tem sete horas reservadas para atividade extraclasse. Ou seja, seis horas a menos que as 13 horas que podem ser aprovadas pelo Supremo. No ano passado, o governo mineiro lançou nova política salarial, que incluiu 5% de aumento real e aporte de R$ 1,3 bilhão na folha de pagamento. Com a medida, o Estado ultrapassou o limite prudencial de gastos com pessoal da LRF, o que hoje restringe aumentos salariais.
A situação é bastante delicada no Rio Grande do Sul. Segundo a secretária-adjunta de Educação, Maria Eulalia do Nascimento, o vencimento básico para o professor com carga de 20 horas é de R$ 353 e para o de 40 horas, de R$ 706. "O governador [Tarso Genro (PT)] quer iniciar a recuperação do salário-base para diminuir a diferença entre o que se paga no Estado e o piso nacional", explica.
A mudança traria um custo adicional de R$ 2 bilhões anuais para a folha da Educação e provavelmente afetaria o cumprimento do limite de gastos com pessoal da LRF. Esse recurso adicional, diz Maria Eulalia, não consta do orçamento de 2011 e não há disponibilidade imediata dele. O governo propõe um reajuste de 10,91% para os professores em 2011. A ideia é reduzir a diferença com o piso gradativamente, até atingir o estipulado pela legislação. Com o reajuste, a diferença entre o salário-base do professor no Rio Grande do Sul e o piso cairia de 66% para 50%.
"Não é possível prever quando o piso será atingido. Já a questão da hora extraclasse não tem tanto impacto para o Estado. Hoje a hora-atividade alcança 25% da jornada, dessa forma também é possível planejar gradualmente o cumprimento de um terço e isso não terá um impacto tão grande para nós", calcula Maria Eulalia. Na sexta-feira, o Centro dos Professores do Rio Grande do Sul (CPERS) organizou assembleia geral, ocasião em que os trabalhadores aprovaram o reajuste para este ano. O sindicato também votou uma série de manifestações para pressionar o governo a chegar mais rapidamente ao piso, incluindo uma paralisação agendada para 11 de maio.
Claudia Cruz, diretora de recursos humanos da Secretaria Estadual de Educação da Bahia, disse que a decisão sobre os dois dispositivos da lei do piso (salário e um terço de jornada extraclasse) não afeta as contas do Estado. Segunda ela, o piso pago aos professores na Bahia é de R$ 1.818 para carga de 40 horas, "além disso, o Estado já concede 30% de hora atividade". Após a sanção da lei do piso pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008, o governo baiano abriu uma série de negociações com a categoria para lançar um plano de carreira do professorado e funcionários da educação. (Colaborou Cristiane Agostine)
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2735.
Editoria: Brasil.
Página: A2.
Jornalistas: Marta Watanabe, Júlia Pitthan, Cesar Felício e Luciano Máximo | De São Paulo, Florianópolis e Belo Horizonte.