Parte da comunidade científicas fez coro com ONGs ambientalistas ao defender ontem o adiamento da votação do novo Código Florestal Brasileiro.
Amparadas na análise de 123 páginas do documento "Código Florestal e a Ciência", a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) sugeriram a prorrogação da reforma do código, em vigor desde 1965, por mais dois anos. "Será uma tragédia para sociedade brasileira. Espero que não seja votado", afirmou a presidente da SBPC, a bióloga molecular Helena Nader.
O documento lista defeitos no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), sugere modificações no texto e defende a inclusão de regras para áreas urbanas na proposta de reforma do Código Florestal, prevista para ser votada no plenário da Câmara na próxima semana. "O que gostaríamos é poder continuar contribuindo, trazendo dados para a implementação de um código moderno, e não um documento que os dados da ciência mostram que está furado, está errado", disse Nader.
O texto, apoiado elo Ministério da Ciência e Tecnologia, pede garantias de mais debates e consensos, reivindica deixar "pendentes" pontos controversos sem a devida "sustentação" científica", sugere recomposição de áreas menos agrícolas aptas à produção, reafirma necessidade do pagamento por serviços ambientais e recomenda tratamento diferente para a agricultura familiar.
Elaborado por 12 membros da academia, o texto defende soluções integradas para áreas rurais e urbanas, como a fixação de limites para áreas urbanas sem ocupação e planos diretores do uso do solo municipal em locais consolidados. E liga a reforma do código a desastres naturais em áreas urbanas, o que tem sido negado com veemência pelo relator Aldo Rebelo – as questões urbanas foram retiradas do texto e transferidas para uma lei específica das cidades.
O estudo da SPBC-ABC mostra que 76% das terras usadas na agropecuária têm fragilidades e enfrentam "limitações" para sua ocupação. O texto admite o aumento de 268% na produtividade da safra de grãos (quase seis vezes o crescimento da área plantada), mas aponta os baixos índices da pecuária nacional. Os cientistas mostram que a produtividade do campo permitiu a "transferência" de R$ 837 bilhões em redução de preços aos consumidores. Ainda assim, permanece um "passivo" de 83 milhões de hectares de áreas de preservação ocupadas irregularmente, segundo o estudo. Além disso, aponta-se, a erosão por uso agrícola causa perdas de R$ 9,3 bilhões anuais ao país. Mas 61 milhões de hectares degradados poderiam ser recuperados para produção de alimentos.
"Isso faz da ciência uma peça fundamental no quebra-cabeças que precisa reunir técnicos, produtores rurais, ambientalistas, parlamentares e a sociedade civil nas discussões que nortearão o diálogo sobre o Código Florestal", defendeu, em nota, a presidente da SBPC.
Na avaliação da academia, que leva em conta a "multifuncionalidade" das paisagens e defende "avanços" nas leis ambientais e agrícola, as áreas de preservação permanente (APPs) e de reserva legal (RLs) são "parte fundamental do planejamento agrícola conservacionista das propriedades". E defende que a aplicação da lei ambiental não pode ser exclusiva dos proprietários, mas tem que incluir todos os governos, além de "políticas mais consistentes de renda na agropecuária".
Os cientistas rejeitam alterar APPs do nível mais alto do rio para borda do leito menor, o que significaria perder 60% dessas áreas na Amazônia. A redução da APP, de 30 para 15 metros em rios de até cinco metros, diminuiria em 31% a proteção vigente. Na Amazônia, diz o estudo, reduzir RLs "comprometeria a continuidade física da floresta" via extinção de espécies. No Cerrado e na Caatinga, acabaria com "trampolins ecológicos" para deslocamento das espécies. A Mata Atlântica teria hoje um "déficit" de 3 milhões de hectares de RL.
Os cientistas defendem, ainda, compensações apenas em microbacias e bacias hidrográficas, e não no mesmo bioma. A recomposição deve ser feita com espécies nativas, sem uso de exóticas. E propõem 50 metros de APPs em cada lado em todos os biomas, além da adoção do conceito de agricultura familiar.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2742.
Editoria: Política.
Página: A6.
Jornalista: Mauro Zanatta, de Brasília.