O governo federal promete intensificar esforços para desenvolver um sistema nacional articulado de educação no Brasil. Para tratar do tema, o Ministério da Educação (MEC) vai criar a Secretaria de Articulação de Sistemas de Ensino (Sase) com planos de ampliar programas e investimentos destinados a prefeituras e governos estaduais. O objetivo é reduzir desigualdades e reordenar a relação federativa na área educacional entre União, Estados e municípios em assuntos como financiamento, gestão, normas, formação de professores e integração curricular.
A Sase, que aguarda sanção de decreto presidencial para passar a figurar no organograma do MEC, será liderada pelo filósofo Carlos Augusto Abicalil, ex-deputado federal pelo PT de Mato Grosso que se destacou por sua atuação parlamentar em matérias relacionadas à educação e foi derrotado nas eleições do ano passado para o Senado. Ele explica que a existência de um sistema nacional articulado de educação é uma demanda histórica para corrigir distorções regionais, principalmente na distribuição de recursos públicos ao setor.
Um exemplo é a diferença do valor de referência do gasto anual por aluno do Fundo Nacional de Manutenção da Educação Básica e Valorização do Magistério (Fundeb) de 2010 para o Estado de São Paulo, de R$ 2.318,75, ante a média de R$ 1.415,97 dos Estados mais pobres do país, já contabilizada a complementação da União. No contexto de um sistema nacional articulado, diz Abicalil, o governo federal gastará mais com educação para apoiar Estados e municípios. "[O aumento do financiamento] será de uma forma calibrada. Não posso falar que a intensidade da participação da União seja igualmente validada para municípios que têm royalties de petróleo, por exemplo, e para seus vizinhos [mais pobres] no mesmo Estado."
O novo secretário também diz que a Sase não cuidará da operação de programas do MEC. A tarefa será concentrada no reordenamento de obrigações e ações conjuntas dos poderes federal, estaduais e municipais, que precisarão ser costuradas em "novas institucionalidades jurídicas" indicadas na segunda edição do Plano Nacional de Educação (PNE 2011-2020), projeto de lei que aguarda aprovação de comissão especial do Congresso.
No atual modelo federalista de organização do Estado brasileiro, a educação pública tem competências concorrentes entre os entes federados, apesar de seu desenho constitucional prever um regime de colaboração. "Ainda prevalece uma visão patrimonialista na gestão do ensino. Como municípios e Estados têm autonomia, cada um administra sua rede, com pouco diálogo", avalia Abicalil.
A relação institucional das três esferas de governo no formato cooperativo do Sistema Único de Saúde (SUS), nos mecanismos de tratamento de resíduos sólidos e na organização das bacias hidrográficas pode servir de inspiração para promover o sistema nacional articulado de educação. "Vamos verificar a capacidade da educação para isso e exercitar algumas dessas formas de arranjo de ação integrada dos poderes públicos que já estão sendo praticadas em outras áreas, independentemente de quem administra o patrimônio", prevê o secretário do MEC.
A atual organização federativa na educação gera inúmeras reclamações e litígios entre prefeituras, Estados e União. As maiores divergências estão nos gastos com transporte, merenda e atribuições por determinado ciclo de ensino. Para Cleuza Repulho, secretária municipal de Educação de São Bernardo do Campo e presidente da União Nacional de Secretários Municipais de Educação (Undime), um sistema nacional deve apontar a responsabilidade de cada ente da federação por seus alunos.
"Cada vez que o município coloca recursos numa rede que não é a sua, ele deixa de investir em áreas essenciais. Quando transporto alunos do Estado e pago por isso, eu deixo de construir uma creche. Isso é realidade em vários municípios do país", afirma Cleuza. No início de sua gestão, a secretária contou que o gasto de São Bernardo, na Grande São Paulo, com transporte de alunos da rede estadual chegava a R$ 25 milhões por ano. Recentemente a prefeitura fez um acordo com o governo estadual, que assumiu, gradualmente, a tarefa de levar e trazer seus próprios estudantes.
Uma das funções da nova Secretaria de Articulações de Sistemas de Ensino do MEC é corrigir esse tipo de atrito e estimular, também no plano pedagógico, a articulação entre as redes públicas. A experiência do Mato Grosso e do Acre, onde os sistemas educacionais municipais e estaduais estão sintonizados, poderá ser referência. No caso acreano, currículo, transporte, calendário de aulas, merenda são políticas decididas em conjunto entre as esferas municipais e estadual. "Também é importante o aluno não sofrer um choque ao passar da escola municipal, por volta dos 11, 12 anos, para a rede estadual", completa Cleuza.
A Sase também vai trabalhar para ajudar Estados e municípios a organizar planos de educação, uma exigência do próximo PNE.
Veículo: Jornal Valor Econômico.
Edição: 2756.
Editoria: Brasil.
Página: A2.
Jornalista: Luciano Máximo, de São Paulo.